O Tratado de Proibição de Armas Nucleares pode ser prejudicial ao Brasil?

O Tratado de Proibição de Armas Nucleares que o Brasil Assinou obriga a aderir ao Protocolo Adicional ao Acordo de Salvaguardas?

Carlos Feu Alvim

Sobre a notícia “Temer entregou na ONU nossa tecnologia nuclear!”[1] escrito por Fernando Brito veiculada pelo Site “Conversa Afiada” deve-se assinalar que houve um engano já parcialmente corrigido pelo autor. O Brasil não assinou o Protocolo Adicional ao Acordo de Salvaguardas com a AIEA  como reconhece o próprio autor[2] . Teria assinado o Tratado de Proibição de Armas Nucleares que o induziria a assinar o citado Protocolo . Aborda-se aqui a questão:  O Tratado assinado cria alguma obrigação do Brasil aderir ao Protocolo Adicional?.

O Brasil assinou, através de ato do seu Presidente da República, em 20/09/2017o “Tratado de Proibição de Armas Atômicas[3] aprovado pela Assembleia Geral da ONU em 07 de Julho de 2017. O Tratado foi aprovado por 122 países [4] como um voto em contra (Holanda) e uma abstenção. Os países armados ou que compartilham armas não votaram, além de de outros países entre o quais estão praticamente toda a Europa e todos os países da OTAN.

Cinquenta países[5], juntamente com o Brasil através do Presidente Temer, aderiram ao Tratado em 20/09/2017 na ONU. Assinaram o documento vários países da América Latina entre os quais devem ser destacados Brasil, Argentina e México que utilizam comercialmente a energia elétrica nuclear. Destaque entre os países signatários a África do Sul, que já construiu armas nucleares e as desmontou, além da Indonésia e Tailândia. Três países já depositaram simultaneamente a ratificação (Guiana, Santa Sé e Tailândia).

O Tratado em seu Artigo 1 proíbe amplamente atividades relacionadas com o desenvolvimento, teste, produção, fabricação, aquisição, posse, armazenamento de armas ou explosivos nucleares.

“Article 1

Prohibitions

  1. Each State Party undertakes never under any circumstances to:

(a)      Develop, test, produce, manufacture, otherwise acquire, possess or stockpile nuclear weapons or other nuclear explosive devices;

(b)      Transfer to any recipient whatsoever nuclear weapons or other nuclear explosive devices or control over such weapons or explosive devices directly or indirectly;

(c)      Receive the transfer of or control over nuclear weapons or other nuclear explosive devices directly or indirectly;

(d)      Use or threaten to use nuclear weapons or other nuclear explosive devices;

(e)      Assist, encourage or induce, in any way, anyone to engage in any activity prohibited to a State Party under this Treaty;

(f)       Seek or receive any assistance, in any way, from anyone to engage in any activity prohibited to a State Party under this Treaty;

(g)      Allow any stationing, installation or deployment of any nuclear weapons or other nuclear explosive devices in its territory or at any place under its jurisdiction or control.”

Do ponto de vista moral, o tratado é altamente positivo já que consagra, por uma grande maioria de países, o banimento de armas nucleares. Do ponto de vista prático é mais uma iniciativa de desarmar os desarmados já que nenhum país que possui ou compartilha armas nucleares ou é protegido pelos chamados guarda-chuvas nucleares aprovou ou assinou e/ou ratificou o Tratado. Além disto, na lista de maiores economias, só Brasil e Indonésia aderiram ao tratado. Mesmo a Austrália, normalmente incluída nos “anjos brancos” da não proliferação votou a favor do Tratado.

O lado B da história seria que o Tratado impõe aos seus signatários obrigações. As que mais preocupam, no caso de Brasil e Argentina, são as relacionadas ao Acordo de Salvaguardas.

A preocupação é pertinente porque a assinatura do Protocolo pode prejudicar as atividades do programa do submarino nuclear que não é considerada uma arma nuclear mas que encerra uma aplicação militar (da propulsão que nuclear não é prescrita). Com efeito o submarino nuclear não é uma arma de destruição em massa e, no caso brasileiro, não seria provido de explosivos nucleares aos quais o Brasil renunciou. Note-se que o presente acordo de salvaguardas não exclui o submarino e seu material da aplicação de salvaguardas , mas oferece proteções em sua aplicação.

As inspeções do Protocolo Adicional podem ser bastante intrusivas e o Brasil, dentro de sua Política de Defesa, renunciou a tratar qualquer medida adicional na área de não proliferação até que os países armados descem sinal efetivo de cumprirem suas declaradas intensões de caminhar no sentido do desarmamento.

Entre as obrigações no âmbito da salvaguardas estão as indicadas no Artigo 3:

“Article 3

Safeguards

  1. Each State Party to which Article 4, paragraph 1 or 2, does not apply shall, at a minimum, maintain its International Atomic Energy Agency safeguards obligations in force at the time of entry into force of this Treaty, without prejudice to any additional relevant instruments that it may adopt in the future.
  2. Each State Party to which Article 4, paragraph 1 or 2, does not apply that has not yet done so shall conclude with the International Atomic Energy Agency and bring into force a comprehensive safeguards agreement (INFCIRC/153 (Corrected)). Negotiation of such agreement shall commence within 180 days from the entry into force of this Treaty for that State Party. The agreement shall enter into force no later than 18 months from the entry into force of this Treaty for that State Party. Each State Party shall thereafter maintain such obligations, without prejudice to any additional relevant instruments that it may adopt in the future.”

O Artigo 4 trata de casos especiais de países que tiveram armas nucleares (parágrafo 2, caso da África do Sul) e os que possuem armas nucleares. O Brasil e Argentina (que não se enquadram neste artigo mas no Artigo 2), já têm um acordo de salvaguardas abrangentes com a AIEA que inclui, além dos dois países, a AIEA e ABACC. Esse acordo, embora inspirado na INFCIRC/153[6], é de diferente redação. Disto deve ter originado a afirmação de que o Brasil aderira ao Protocolo Adicional como consequência da obrigação de aderir a um Acordo Abrangente. As salvaguardas do Acordo de Salvaguardas que rege as salvaguardas nucleares de Brasil-Argentina são perfeitamente compatíveis com os da INFCIRC 153 como reconhece a própria AIEA e a comunidade internacional,

O Brasil e Argentina já tem um Acordo de Salvaguardas do tipo abrangente que submete todas as instalações e materiais à inspeções da AIEA e da ABACC que a agência bilateral entre os dois países. Esta redação não inclui o chamado o Protocolo Adiciona aos acordos de salvaguardas (INFCIRC/540). A mera menção do INFCIR 153 não implica na assinatura do Protocolo Adicional  e mesmo sua posterior correção.

A rigor, a única implicação encontrada para nossos acordos de salvaguardas é que tanto os países que desistiram de suas armas nucleares como os países que as possuem e que vierem a aderir ao Tratado devem assinar com a AIEA um Acordo de Salvaguardas satisfazendo as condições expressas no Artigo 4, parágrafo 1 e 2:

Artigo 4, parágrafo 1: The competent international authority shall report to the States Parties. Such a State Party shall conclude a safeguards agreement with the International Atomic Energy Agency sufficient to provide credible assurance of the non-diversion of declared nuclear material from peaceful nuclear activities and of the absence of undeclared nuclear material or activities in that State Party as a whole.

Esta é a linguagem usada para acordos que incluem as disposições do Protocolo Adicional. Isso poderia induzir a que todos os países deveriam se enquadrar neste modelo. Não parece, entretanto, nenhuma vinculação direta com o caso de nossos países que têm, ademais, uma proteção adicional que são as inspeções cruzadas entre Argentina e Brasil que vem sendo considerada, como o fez, o Nuclear Suppliers Group – NSG como sucedâneo (ao menos provisório) a assinatura do Protocolo Adicional.

Como conclusão, não se pode dizer que o Tratado Proibição de Armas Nucleares obrigue o País a aderir ao Protocolo Adicional. Ele, no entanto, fortalece a noção que o modelo INFCIRC 153 + 540 seja o padrão de Acordo de Salvaguardas desejado pela AIEA. No caso do presente Tratado se,  por algum acontecimento não esperado, os países armados aderissem ao Tratado de Proibição das Armas Nucleares e, por consequência, ao Protocolo Adicional, o Brasil certamente não teria dificuldade de também aderir a ele porque haveria cessado o motivo de negar sua adesão.

[1] Tijolaçõ http://www.tijolaco.com.br/blog/o-que-temer-entregou-na-onu/

[2] Conversa Afiada  https://www.conversaafiada.com.br/mundo/temer-entregou-na-onu-nossa-tecnologia-nuclear

[3] Treaty on the Prohibition of Nuclear Weapons http://undocs.org/A/CONF.229/2017/8

[4] Vote name https://s3.amazonaws.com/unoda-web/wp-content/uploads/2017/07/A.Conf_.229.2017.L.3.Rev_.1.pdf

[5] Signature/ratification status of the Treaty on the Prohibition of Nuclear Weapons http://www.icanw.org/status-of-the-treaty-on-the-prohibition-of-nuclear-weapons/

[6] THE STRUCTURE AND CONTENT OF AGREEMENTS BETWEEN THE AGENCY AND STATES REQUIRED IN CONNECTION WITH THE TREATY ON THE NON-PROLIFERATION OF NUCLEAR WEAPONS

https://www.iaea.org/sites/default/files/publications/documents/infcircs/1972/infcirc153.pdf

3 respostas para “O Tratado de Proibição de Armas Nucleares pode ser prejudicial ao Brasil?”

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