Toda E&E 102


Economia e Energia Ano XXIII  Nº 102, Janeiro a Março de 2019
ISSN 1518-2932   

Disponível em: http://ecen.com.br e http://ecen.com

Palavra do Editor:

REPENSANDO O SISTEMA ELÉTRICO BRASILEIRO

O sistema elétrico brasileiro é sui generis pela predominância de energias ditas limpas, do ponto de vista da emissão de CO2. A nuclear faz parte deste tipo de energia e sua participação é de 3% da geração de eletricidade no Brasil.

A forte participação da energia hidráulica praticamente exigiu a criação de um sistema nacional integrado de eletricidade, administrado de forma centralizada. Esta configuração foi facilitada, até os anos noventa, pelo fato da geração e transporte de energia serem estatais. A gestão desse sistema cabia, na prática, à Eletrobras com suas empresas regionais, com algum contraponto da forte presença de geradoras e distribuidoras estaduais fortes.

A introdução da participação do capital privado nos anos noventa obrigou a mudança de estrutura do setor elétrico. Foi criado um órgão para gerir o Sistema Integrado Nacional Elétrico – SIN e uma agência para normalizar o setor. Empresas estatais foram privatizadas e outras abriram seu capital. Foi abandonada a regionalização das geradoras. Um sistema de leilões passou a reger as concessões. A conjuntura de abertura econômica e as características geográficas dos novos aproveitamentos impediu a construção de grandes reservatórios.

Uma reestruturação do mercado de energia elétrica foi feita sob forte influência do modelo britânico. Esta estrutura foi posta a prova no “apagão” de 2001 e isto abriu mais espaço para as térmicas convencionais na matriz de geração. Posteriormente foi aberto espaço para as novas renováveis, principalmente a eólica, e também para a biomassa. A nova estrutura não tinha preocupação especial com as regiões menos providas dos “três Brasis”. No terceiro Brasil, desprovido das energias integradas, estão as regiões isoladas do SIN onde, paradoxalmente, também estão as grandes possibilidades de geração hídrica futura.

A situação da energia nuclear não foi bem resolvida e continuou dependente de aportes estatais e engessada por uma fixação de tarifas que não possibilita novos investimentos.

As hidrelétricas construídas a partir da década de 1990 e as futuras não possuirão reservatórios significativos e operariam a “fio d’água” onde a energia produzida é função da capacidade das turbinas instaladas e da vazão momentânea do rio que alimenta cada hidrelétrica sendo, portanto, mais sujeitas aos caprichos da natureza. Neste século tem sido crescente a utilização das fontes eólica, solar e biomassa intrinsecamente dependentes da natureza, aumentando a complexidade de atender e garantir o fornecimento de energia elétrica da maneira mais econômica possível minimizando o impacto ambiental. 

Estamos necessitando de uma nova visão do sistema elétrico brasileiro que leve mais em conta seu caráter tão especial. Para refletir sobre esse assunto, contamos com a colaboração de Othon Pinheiro da Silva, personagem de capital importância na história do desenvolvimento da energia nuclear no Brasil.

O trabalho aqui apresentado resultou de uma demanda feita a ele pelo Presidente do Clube de Engenharia. Procuramos acrescentar alguns detalhes e ilustrações ao trabalho que, fundamentalmente, segue a linha de pensamento do documento originalmente concebido para atender àquela solicitação.

 Carlos Feu Alvim

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Sumário

REPENSANDO O SISTEMA ELÉTRICO BRASILEIRO

SISTEMA ELÉTRICO E   ENERGIA NUCLEAR NO BRASIL

Resumo

Palavras chave:

  1. Energia Nuclear: Explosão Inicial
  2. Energia Nuclear para Gerar Eletricidade
  3. Energia Núcleo Elétrica no Brasil
  4. A Tradição Hidroelétrica
  5. A Reforma do Sistema Elétrico dos Anos 1990
  6. Repensando o Sistema Elétrico
  7. Os três Brasis
  8. O Futuro da Energia Nuclear no Brasil

Bibliografia

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Economia e Energia Ano XXIII  Nº 102, Janeiro a Março de 2019
ISSN 1518-2932
Disponível em: http://ecen.com.br e http://ecen.com

Opinião:

SISTEMA ELÉTRICO E ENERGIA NUCLEAR NO BRASIL

Othon Pinheiro da Silva,Olga Mafra e Carlos Feu Alvim

Resumo

A energia nuclear é a mais recente das fontes energéticas que utiliza a humanidade e está completando oitenta anos.

Sua utilização inicial foi bélica e isto marcou seu futuro. Sua utilização pacífica na geração de energia nuclear se dá principalmente na geração elétrica, mas é também muito relevante o uso de isótopos na medicina. A energia nuclear é hoje reconhecida como caminho eficaz para reduzir a emissão de gases de efeito estufa. Na matriz energética brasileira, ela tem a participação de 3% e permanecerá com uma participação minoritária na matriz energética brasileira nas próximas 3 décadas.

A abertura econômica dos anos de 1990 tentou reorganizar o sistema elétrico de maneira a admitir a maior participação do capital privado e, forçada pelo “apagão de 2001”, incorporou novas fontes de na geração de eletricidade. O sistema adotado, com forte influência do exemplo termoelétrico britânico, apresentou problemas que precisam ser equacionados levando melhor em conta suas características próprias e sua complexidade econômica, geográfica e climática. A impossibilidade construir grandes reservatórios incluiu a energia hídrica entre as fontes sujeitas aos caprichos da natureza como a eólica, solar e biomassa,.

A solução dessas complexidades demanda uma reforma do sistema elétrico que necessita de energia estável de base, onde a nuclear deve colaborar e também para cobrir as oscilações do sistema com melhor uso dos reservatórios e o ocasional uso de fontes térmicas.

Palavras chave:

Sistema elétrico, energia nuclear, geração de eletricidade, gestão, clima.

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1.    Energia Nuclear: Explosão Inicial

A energia nuclear é a mais recente entre as fontes disponíveis de energia utilizadas pela humanidade. A descoberta da fissão nuclear ocorreu em 1938/1939 quando Otto Hahn submeteu e publicou seus resultados experimentais e Lise Meitner e Otto Frish completaram a interpretação dos experimentos de Otto Hahn (Atomic Archive). A energia nuclear está, portanto, completando 80 anos de idade[1].

Como a descoberta da fissão nuclear coincidiu com o início da Segunda Guerra mundial, sua primeira aplicação foi bélica. A humanidade tomou conhecimento da energia nuclear em 1945 com os holocaustos de Hiroshima e Nagasaki que provocam até hoje, no ideário popular, natural rejeição a esta fonte de energia.

Ao terminar a Segunda Guerra Mundial, teve inicio a geopolítica bipolar onde o mundo foi dividido em dois grandes blocos, o Ocidental liderado pelos Estados Unidos e o Bloco Soviético liderado pela então União Soviética (cuja sucessora é a Rússia).

A ONU foi criada em 1945 e os cinco países, considerados os vencedores da Segunda Grande Guerra Mundial, EUA, União Soviética, Reino Unido, França e China, ocuparam os lugares permanentes no Conselho de Segurança da ONU, tendo poder de veto. Não por coincidência, estes mesmos países foram os primeiros a se juntar ao “Clube Nuclear”, entre 1949 e 1964[2]. A China foi, até 1971, representada pelo governo nacionalista de Taiwan. A partir daquele ano, a Resolução 2758 (UN, 1971) da Assembleia Geral da ONU estabeleceu a República Popular da China como representante daquele país na ONU e no Conselho de Segurança.

Foi estabelecida uma corrida armamentista, entre estes dois grandes blocos, que priorizava a fabricação de bombas atômicas e mísseis de longo alcance para transportar as ogivas nucleares. Na década de 1950, as bombas nucleares tiveram sua capacidade de destruição “exponenciada” com o desenvolvimento das bombas nucleares que usam a fusão nuclear (comumente conhecida como Bomba H, de hidrogênio). A corrida armamentista continuou crescendo até que ambos os blocos entenderam o conceito MAD – Mutual Assured Destruction (destruição mutua assegurada). Acordos entre as duas maiores potências e o fim da Guerra Fria levaram a uma sensível redução das ogivas nucleares e a quantidade delas diminuiu. Atualmente, o número está estável, mas ainda foi mantido um considerável estoque mundial de bombas [3].

Os cinco componentes do “Clube Nuclear” são membros permanentes do Conselho de Segurança e cada uma das cinco potências tem a prerrogativa de vetar as resoluções da ONU. Posteriormente, Israel (veladamente), Índia, Paquistão e Coreia do Norte agregaram armas atômicas aos seus arsenais, mas sem adquirir o “status” de “nuclear weapon states” no Tratado de Não Proliferação Nuclear – TNP ou de membro do Conselho de Segurança da ONU.

Figura 1: Evolução das ogivas nucleares nos EUA.

Em 1965, o estoque de armas nucleares nos EUA havia superado as 30.000 ogivas, logo após a crise dos mísseis em Cuba (Figura 1). A partir daí, houve uma gradual redução dos arsenais, tanto dos EUA como da União Soviética, com acordos de desarmamento a partir de 1991. Seguiu-se a dissolução da União Soviética e os estoques de armas nucleares se estabilizaram a partir de 2010. Sabe-se menos a respeito da evolução dos estoques da extinta União Soviética. Rússia e EUA teriam, em 2018, um arsenal um pouco superior a 6.500 ogivas cada (Arms Control Association, 2018).

2.    Energia Nuclear para Gerar Eletricidade

Já no início dos anos sessenta, com o início do arrefecimento da grande corrida armamentista bipolar mundial houve mais espaço para aplicações pacíficas. Surgiram usinas nucleares incorporadas à rede de distribuição. As primeiras parecem ser a de Obninsky APS-1 que em 1954 teria se conectado, com 5 MW, à rede, a de Sellafield (Calder Hall) no Reino Unido, que iniciou seu funcionamento em 1956 com capacidade inicial de 50 MW, depois aumentada para cerca de 200 MW (European Nuclear Society), e que seria também a primeira a ser descomissionada  (Brawn, 2003) e a Shipping Port Atomic Power com 60 MWe da Duquesne Light Company  (Craddock III, 2016) nos Estados Unidos que, de acordo com a US Nuclear Regulatory Comission, foi a primeira projetada para uso comercial, tornando-se operacional em 1957.

A partir de 1962, a tecnologia nuclear começou a ter sua utilização ampliada na geração de energia elétrica e se iniciou um período de grande euforia, denominado por Weinberg como a “primeira era nuclear” (Alvin, 1997) onde inicialmente havia a utopia de que seria possível produzir grandes quantidades de energia elétrica a preços ridiculamente baixos com a fonte nuclear. No final da década de 1960, iniciou-se a conscientização da realidade dos preços.

O incidente ocorrido na usina de Three Mile Island, dia 28 de Março de 1979, em Harrisburg Pensilvânia nos Estados Unidos, embora não tenha causado praticamente nenhum dano humano ou material, serviu de alerta para o que deveria ser aprimorado nos conceitos de operação e segurança das usinas nucleares. Esse alerta provocou modificações em todas as usinas nucleares que usavam reatores tipo PWR – Pressurized Water Reactor, aumentando sua segurança.

Entretanto já existiam outras usinas nucleares com reatores de tecnologia menos segura como os reatores RMBK de Chernobyl, Ucrânia e também usinas em cuja instalação não haviam sido respeitadas as boas normas internacionais de segurança em sua localização, particularmente, na sua cota de posicionamento em relação ao nível do mar como ocorreu em algumas das usinas BWR- Boiling Water Reactor , que foram construídas na Central Nuclear de Fukushima, Japão. Uma descrição do ocorrido foi publicada pela AIEA (AIEA, 2015).

As usinas da Central Nuclear Fukushima foram construídas em uma cota baixa relativa ao nível do mar. A cota do protetor marinho foi fixada em 5,5 m a partir de avaliações disponíveis na época. Uma reavaliação do órgão superior que cuida de terremotos no Japão, anterior aos eventos, modificou para cima o nível de terremoto que poderia ser esperado na região bem como a altura da onda do Tsunami. A Tokyo Electric Power Company – TEPCO, proprietária da Central, não mudou as especificações das usinas nem foi forçada a isto pelo órgão regulador nuclear japonês. Com isso, a cota da usina era inferior à altura para resistir à onda máxima prevista na reavaliação. A previsão dessa reavaliação estava próxima da que realmente atingiu a Central (cerca de 10m) .

As instalações diesel, geradoras de energia em emergência, existem em todas as usinas nucleares, para prover a energia elétrica necessária para operar o sistema de remoção do calor residual no combustível dos reatores nucleares, após o seu desligamento. Em Fukushima, em virtude de insuficiente altura em relação ao nível do mar, estas instalações, auxiliares porem muito importantes, foram alagadas pela onda causada pelo tsunami e ficaram inoperantes.

O não funcionamento do sistema de remoção do calor residual levou a fusão de alguns dos núcleos dos reatores da Central. Todas as usinas nucleares são dotadas de sensores de vibração e acelerômetros que provocam a interrupção do funcionamento e desligamento das usinas quando ocorrem terremotos mesmo de baixa intensidade.

A analise posterior da central de Fukushima indicou que suas usinas, sob o ponto da integridade das suas estruturas, tubulações e equipamentos resistiram bem ao terremoto que foi maior do que o terremoto com as características para o quais foram projetadas. A Central Nuclear de Fukushima se encontra localizada a pouco mais de noventa milhas náuticas do encontro de três placas tectônicas que transforma aquela região em um dos locais mais instáveis sob o ponto de vista da sismologia e, por via de consequência, muito sujeita a grandes terremotos e tsunamis. O acidente evidenciou o posicionamento das instalações diesel geradoras de emergência em altura insuficiente em relação ao nível do mar. Não foram devidamente consideradas, no projeto, as peculiaridades locais causadas pela proximidade do encontro de placas tectônicas.

À inoperância dos geradores de emergência á diesel (só um, da unidade 6, não foi atingido) e das baterias de emergência, em 3 delas, provocaram os piores acidentes (derretimento do elemento combustível e vazamento do vaso de contenção). Deve-se notar que não houve vazamento significativo de plutônio como no caso do acidente de Chernobyl. Isso pode contribuir para tornar possível a recuperação, no médio prazo, de boa parte da área atingida.

3.    Energia Núcleo Elétrica no Brasil

A decisão brasileira, no inicio da década 1970, de construir a Usina Nuclear Angra 1 e posteriormente a decisão de assinar o Acordo Nuclear Brasil Alemanha em 1975, não foi bem assimilada pelo setor elétrico de então que naturalmente tinha cultura fortemente hidrelétrica pelo fato desta fonte, até então, atender perfeitamente às necessidades de demanda de energia elétrica brasileiras.

Em decorrência do Acordo Nuclear Brasil Alemanha, de 1975, foi programada a construção de mais duas usinas em Angra dos Reis (2 e 3) e ainda a construção de mais duas usinas no litoral sul do Estado de São Paulo.

Naquela época, a opção nuclear se constituiu numa decisão de cúpula em um regime de exceção, ainda inspirada na utopia de produção de energia elétrica a preços muito baixos. A influência de fatores ligados à geopolítica foi também fator importante. A crise mundial causada pelo grande aumento do preço do petróleo em 1973 foi utilizada como motivadora da decisão.

4.    A Tradição Hidroelétrica

A determinação governamental, na década de 1970, de incorporar energia nuclear ao sistema elétrico foi imposta ao setor elétrico em paralelo com um grande programa de construção de hidrelétricas já em curso. Este, embora contasse com a aprovação do setor elétrico, teve seu dimensionamento decidido no mesmo regime verticalizado de decisão. Esse programa hidroelétrico previa o aproveitamento de praticamente todas as possibilidades de construção de hidrelétricas nos rios situados na região que se estende do Vale do Rio São Francisco até Itaipu. Foram grandes os investimentos no setor elétrico nesta época, um dos setores que mais recebeu investimentos no Brasil. O grande crescimento anual do PIB – Produto Interno Bruto naquele período e a atratividade político/empresarial das obras foram estimuladores deste grande investimento setorial.

A região acima mencionada era muito convidativa para construção de hidrelétricas, pois é geologicamente estável, localizada no meio de uma grande placa tectônica, dotada de oportunidades de aproveitamentos hidrelétricos em locais que já haviam sido desmatados em função de ciclos agrícolas e apresentava topografia que permitia a construção de reservatórios com grande capacidade de armazenamento de água. Esta região apresentava um conjunto de características favoráveis à construção e operação de hidrelétricas raramente encontradas em outros locais do nosso planeta.

Na década anterior (de 1960) o sistema elétrico nacional havia sido padronizado em corrente alternada com sessenta ciclos por segundo. Até então, a região de Minas Gerais, São Paulo e Paraná operavam com sessenta ciclos enquanto o Rio de Janeiro operava com cinquenta ciclos. A padronização da ciclagem facilitou a integração do sistema elétrico nacional onde as maiores fontes geradoras, as hidrelétricas, têm suas localizações definidas pela natureza e não pelo homem.

Ao longo da década de 1980, as hidrelétricas atendiam plenamente a demanda de eletricidade. O estoque de água nos reservatórios dessas usinas complementava o fornecimento de água necessário ao funcionamento satisfatório das turbinas em todas as ocasiões. Isso acontecia, tanto nos meses do ano em que as vazões dos rios eram menores do que a demanda de energia elétrica, como nos ciclos pluviométricos de seca na região central do Brasil, onde estão localizadas as nascentes, e os rios que alimentam grande parte do sistema hidrelétrico nacional.

Nas décadas de 1980 e 1990, as hidrelétricas que haviam sido construídas depois do racionamento na década de 1960 continuaram satisfazendo à demanda de eletricidade, mesmo nos anos mais secos dos ciclos pluviométricos plurianuais que, historicamente, parecem se repetir com a periodicidade de cerca de dez a doze anos aproximadamente.

A partir da segunda metade da década de 1980, o sistema elétrico começou a apresentar problemas em termos administrativos e gerenciais. Havia inadimplência de uma estatal em relação à outra e muita interferência do setor político. É emblemático o desafio do Governador Orestes Quércia de São Paulo ao Presidente de Furnas (e anteriormente Ministro) Dr. Camilo Pena: Face à inadimplência por parte do Estado de São Paulo, o Governador tranquilamente desafiou o Presidente de Furnas sugerindo, ironicamente, “desligar São Paulo”. O assunto foi afinal resolvido pela interferência de pessoas sensatas.

Em alguns Estados da Federação havia empresas estatais estaduais que produziam, transmitiam e distribuíam a energia elétrica e também recebiam energia das empresas estatais nacionais pertencentes à ELETROBRAS. Não havia a separação administrativa empresarial entre a produção de energia por atacado nas hidroelétricas, a transmissão (o transporte a distância da energia) e a distribuição ao utilizador final, ou seja, o varejo. A influência político partidária cresceu demais e passou a comprometer o funcionamento de todo o sistema.

5.    A Reforma do Sistema Elétrico dos Anos 1990

Na década de 1990, estava evidente a necessidade de reformatação administrativa gerencial do sistema elétrico nacional e a economia brasileira foi atingida por uma onda de liberalismo. Foi contratada então a participação de uma empresa consultora do Reino Unido para tratar da reformulação e regulamentação do sistema elétrico nacional. O sistema elétrico Inglês, ao qual os consultores estavam acostumados, era prevalentemente térmico e com características completamente diferentes do sistema brasileiro. Na reestruturação, pós Margaret Thatcher, do sistema elétrico do Reino Unido em 1983 foi introduzido na regulamentação o conceito de competição e houve grande privatização das empresas participantes do fornecimento da energia elétrica produzida e distribuída no Reino Unido.

O sistema elétrico inglês, nos anos noventa, era quase inteiramente termoelétrico e muito dependente da utilização do carvão que estava começando a ser substituído por gás natural. O funcionamento das centrais que utilizam estes combustíveis é bastante independente de ciclos da natureza e praticamente sujeito somente ao planejamento e controle humano. A fonte hídrica representava apenas cerca de 2,5% do total da energia produzida naquele país.

O grupo de consultores ingleses tinha o “DNA” termoelétrico e era, logicamente, orientado pelas ideias de liberalização da economia, privatização e competição. Esta “escola de pensamento” contribuiu para que este “DNA” da onda econômica pós Margareth Thatcher fosse fortemente “miscigenado” na formulação da regulamentação do sistema elétrico brasileiro, majoritariamente hidrelétrico, que necessita compatibilizar o planejamento de sua operação com as variações do sistema pluviométrico controlado pela natureza e não pelo homem como é o sistema térmico do Reino Unido.

Um estudo adequado que fosse realizado por grupo competente e analisasse as características e as peculiaridades do sistema elétrico brasileiro e se preocupasse, não somente, em seguir as regras de comercialização da economia liberal, teria identificado que o estoque máximo de água nos reservatórios das hidrelétricas brasileiras havia se mantido constante desde a década de 1980 enquanto o consumo de energia elétrica naturalmente continuou crescendo e isto certamente repercutiria no planejamento e na operação do sistema elétrico brasileiro, predominantemente hidroelétrico. Ou seja, a reforma implantada nos anos 1990 não peca por seu caráter liberal – cuja discussão é importante, mas está em uma esfera mais ampla – mas por não haver levado devidamente em conta a natureza física do sistema elétrico existente.

Em 2001, o país vivia um período de pouca pluviosidade e os reservatórios das hidrelétricas se encontravam praticamente vazios. O Brasil foi então “surpreendido pelo obvio” e tornou-se necessário o racionamento de energia elétrica que “a mídia” apelidou de “apagão”.

Na realidade o “apagão elétrico” havia sido precedido de um “apagão de competência” ao não se entender, por quase uma década, que o aumento e a transformação do consumo implicariam em modificações compatíveis na produção e na transmissão de eletricidade no Brasil.

A Usina Nuclear Angra 1 havia sido fornecida pela Westinghouse e iniciou seu funcionamento comercial em dezembro de 1984. Infelizmente, principalmente por falhas técnicas de projeto, apresentou baixo nível de desempenho ao longo das décadas de 1980 e 1990. Razões financeiras fizeram com que a Usina Nuclear Angra 2 tivesse desacelerada sua construção e o início da sua operação comercial somente ocorresse em fevereiro de 2001. Estes fatos contribuíram para a descrença dos executivos do sistema elétrico em relação à opção nuclear. Até o inicio do funcionamento comercial da Usina Nuclear Angra 2 o “sistema elétrico” associava energia nuclear unicamente a grandes investimentos e baixo desempenho.

Esse mesmo “sistema elétrico” reconheceu, no entanto, que sem a entrada em funcionamento comercial da Usina Termonuclear Angra 2 com 1300 MW de potência elétrica, no início de 2001, o “apagão elétrico” teria sido ainda maior.

Em consequência do “apagão”, imediatamente foi decidida a construção de termoelétricas que usam como combustível óleo ou gás e que apresentavam menor investimento inicial e menor prazo de construção.

As termelétricas que foram construídas a partir do “apagão” têm contribuído para garantir a continuidade no fornecimento de eletricidade independentemente das variações do regime pluviométrico, mas provocam excessivo aumento do preço médio da eletricidade ofertada ao consumidor, sobretudo porque, ao menos substancial parcela delas tem sido operada continuamente (na base de carga). Desconsidera-se também o aumento da emissão de gases de efeito estufa, ignorando compromissos assumidos internacionalmente pelo País.

A experiência internacional demonstra que termoelétricas para funcionarem continuamente “na base de carga” devem ser preferencialmente termoelétricas convencionais, usando carvão como combustível, ou usinas nucleares. As usinas convencionais a carvão são responsáveis por 38% da energia elétrica produzida no mundo, as térmicas a gás natural representam 23% e o óleo combustível apenas 3%. A contribuição mundial total das usinas hidrelétricas é da mesma ordem de grandeza (16 %) da contribuição da fonte nuclear (10 %) e a das fontes renováveis (8%).

A Figura 2 ilustra a enorme diferença da distribuição das fontes energéticas usadas na geração de energia que, por sua natureza completamente diversa da média mundial, tem que ser administrado de uma maneira também diferente.

 

Óleo

Gás Natural

Carvão

Nuclear

Hidro

Reno-váveis

Outros

Brasil

3%

11%

4%

3%

63%

17%

0%

Mundo

3%

23%

38%

10%

16%

8%

1%

Fonte: BP stats-review-2018-all-data (dados referentes a 2017) (BP, 2018)

Figura 2: Comparação das estruturas de geração de eletricidade no Brasil e no mundo mostrando a peculiar estrutura brasileira,

Embora ainda muito menor do que faz acreditar sua divulgação, tem sido crescente a contribuição da energia renovável, principalmente eólica, mas também solar na produção de energia elétrica no Brasil e no mundo. A energia eólica mais a solar representaram em 2017 8% no mundo e 7,3% no Brasil. É destaque no Brasil a participação da biomassa que representa cerca de 9% da geração elétrica (na Figura 2, incluída entre as renováveis).

O desenvolvimento da tecnologia, com o uso de redes elétricas inteligentes, indica a tendência ao crescimento na utilização da energia eólica e também da energia solar na produção de energia elétrica brasileira, respeitando, evidentemente, suas características de fontes intermitentes e, portanto, dependentes de complementação.

6.    Repensando o Sistema Elétrico

Parece necessário repensar e reestruturar o sistema elétrico brasileiro, fundamentado em práticas comerciais não condizentes com as peculiaridades brasileiras, que atualmente mantém quase as mesmas bases estabelecidas na década de 1990. A revisão do planejamento do sistema elétrico certamente tenderá incorporar os avanços tecnológicos e a maior utilização das redes inteligentes.

Na reestruturação do sistema elétrico brasileiro, as necessárias modificações na operação e comercialização devem ser compatibilizadas com as características das fontes primárias nacionais de produção de eletricidade e também com o tipo de distribuição geográfica e peculiaridades da demanda de energia.

O varejo, ou seja, a distribuição final da energia elétrica em média e baixa tensão ao consumidor, após as subestações rebaixadoras de tensão, é praticamente independente da fonte produtora de energia. Trata-se de atividade administrativa e gerencial muito dinâmica normalmente melhor executada por empresas privadas em regime de concessão. Esta atividade pode ser fracionada para evitar grande concentração de poder em uma única empresa distribuidora em grande área do território nacional.

A lógica pode indicar que as empresas privadas, “responsáveis pelo varejo”, ou seja, pela entrega da energia elétrica ao consumidor final, tenham a sua sede no município embora possam ter como acionistas majoritários empresas “holding” que não tenham sede no município. É desejável que nas empresas distribuidoras municipais de energia uma pequena percentagem de suas ações seja de propriedade de moradores no município e que comprariam e também venderiam suas ações ao “preço de face das ações”. É importante que o representante deste grupo minoritário faça parte do conselho administrativo da empresa municipal. Em caso de “holding” controladora, obrigatoriamente um dos membros do conselho de administração, deveria pertencer a secretaria de energia do estado. A proximidade do entregador da energia com o cliente tende a aprimorar esse atendimento. Um bom exemplo de funcionamento deste sistema é o Município de Belmont no Estado de Massachusetts, Estados Unidos.

A distribuição final da energia por companhia com a sede situada no município contribui para aumentar a renda municipal e diminuir a “exportação” de capital da comunidade utilizadora final de energia para outros lugares.

A prioridade do sistema elétrico nacional certamente deverá ser a garantia e segurança do fornecimento de eletricidade, buscando o menor preço médio do Megawatt-hora (MWh) e a minimização do impacto ambiental.

No planejamento do sistema elétrico é importante considerar que, ressalvada sua grande importância, este setor se constitui um segmento da matriz energética nacional que em seu planejamento deverá levar em consideração a eficiência e economicidade de utilização dos insumos energéticos.

O biênio fundamental dos cursos de engenharia inclui  cursos de termodinâmica que nos ensinam que a transformação de energia química ou térmica em energia mecânica apresenta sempre modesta eficiência. A utilização do gás e derivados de petróleo em aplicações “mais nobres” como são os meios de transporte, por sua portabilidade, na petroquímica, por serem praticamente insubstituíveis, ou no aquecimento direto industrial e domiciliar onde a termodinâmica mostra que a eficiência da transformação da energia química em energia térmica é muito alta.

No planejamento da matriz energética nacional parece lógico priorizar os combustíveis encontrados no território brasileiro e utilizar nas usinas termoelétricas que operam em regime continuo sempre que possível urânio ou até mesmo carvão procurando sempre minimizar o uso de gás e derivados de petróleo para garantir seu emprego em suas aplicações mais nobres ou até mesmo na exportação.

7.    Os três Brasis

É muito importante que haja o entendimento que o Brasil, do ponto de vista do consumo de eletricidade, é um país com 214 milhões de habitantes e dimensões continentais com diferentes regiões climáticas onde convivem na mesma área geográfica total “três Brasis” com características diferentes:

O “primeiro Brasil” é composto de um arquipélago de “ilhas de concentração habitacional e denso consumo de eletricidade”, constituído de (dados de 2017):

  • Duas grandes metrópoles formadas por São Paulo (12 milhões de habitantes e mais 9 milhões com os municípios próximos e vizinhos) e Rio de Janeiro (6,7 milhões de habitantes e mais 2,5 milhões considerando as adjacências).
  • Cinco cidades com mais de dois milhões de habitantes (Salvador – 2,9 milhões, Brasília – 2,85 milhões, Fortaleza 2,57 milhões, Belo Horizonte – 2,94 milhões e Manaus – 2,2 milhões).
  • Dez cidades com mais de um milhão de habitantes (Curitiba -1,86 milhões, Recife – 1,6 milhões, Porto Alegre – 1,47 milhões, Belém – 1,43 milhões, Goiânia – 1,41 milhões, Guarulhos – 1,31 milhões, Campinas – 1,15 milhões, São Luiz – 1,06 milhões, São Gonçalo – 1,0 milhão e Maceió – 1,0milhão).
  • Vinte e cinco cidades com mais de quinhentos mil habitantes.

Este grande “arquipélago brasileiro de centros de denso consumo de eletricidade” demanda “grandes blocos de fornecimento de energia elétrica” que normalmente são produzidos por fontes de alta densidade de produção de energia que são as hidrelétricas, as termoelétricas convencionais e as térmicas nucleares. Uma boa ilustração desse arquipélago é a visão noturna por satélite mostrada na Figura 3. Nela fica clara (embora literalmente escura) a baixa densidade de consumo de grande parte do território nacional e a desigualdade de distribuição do consumo elétrico. Pode-se, inclusive, localizar praticamente todas as “ilhas” acima mencionadas.

Figura 3: Visão noturna mostrando as “ilhas” de iluminação existentes no Brasil e vizinhanças, podendo-se perceber a faixa iluminada ao longo do trópico de Capricórnio (São Paulo, Rio) e a da costa nordestina http://tecnaula.blogspot.com/2011/02/mais-uma-da-serie-um-satelite.html.

Dentro desses grandes centros urbanos de consumo com grande concentração populacional, é possível a utilização apenas complementar da fonte solar (dependendo da insolação do local) considerando que, por sua baixa densidade de produção e intermitência, será sempre uma contribuição percentualmente muito pequena em relação à demanda total de eletricidade destes centros de consumo.

As grandes concentrações populacionais da Zona Franca de Manaus, Santarém e Belém do Pará, embora situadas na Região Amazônica, são servidas pelo sistema elétrico principal e consideradas como pertencentes ao “primeiro Brasil”.

O “segundo Brasil” é constituído pelas cidades médias e pequenas e áreas adjacentes. Este segundo Brasil, embora seja uma “colcha de retalhos” formada de áreas de “media densidade de consumo”, em seu total, consome muita eletricidade. Com menor dificuldade podem aumentar a produção e o consumo das energias alternativas eólicas e solar (dependendo sempre do mapa de ventos e da insolação) pois as redes elétricas existentes são bastante ramificadas e apresentam menor dificuldade de expansão.

O “terceiro Brasil” é composto de grandes áreas, com baixa ou muitíssimo baixa densidade de consumo de eletricidade, situadas nas regiões do sertão do Nordeste e Amazônia. Estas áreas exigem análise e tratamento específico para cada micro região.

As fontes primárias renováveis, eólica e solar, são de baixa densidade na sua “produção” e variam a quantidade de energia produzida durante as vinte quatro horas do dia e com a as condições climáticas, mas têm grande potencial de aplicação no “terceiro Brasil” embora necessitem utilizar o auxilio de estocagem da energia como garantia para assegurar o fornecimento contínuo da energia ao usuário. Quando baterias são utilizadas para estocagem de energia devemos esperar aumento no valor do investimento e também que o descarte das baterias apresente o potencial de grande impacto ambiental.

A região da Bacia Amazônica pode ser interpretada como a composição de áreas com diferentes características: a primeira delas é a área quase plana vizinha da calha principal do Rio Amazonas e também as áreas quase planas próximas onde correm o terço final dos rios afluentes. Nessas áreas planas é pouco praticável o aproveitamento hidrelétrico para suprimento de energia elétrica aos pequenos grupamentos humanos existentes. Cada um desses grupamentos humanos nesta área plana, muito sujeita a alagamentos, exige um tratamento específico. Em sua maioria são grupamentos humanos ribeirinhos, mas sem possibilidade econômica de aproveitamentos hidroelétricos locais.

As áreas não planas da Amazônia onde se encontram os dois terços iniciais do comprimento dos rios tributários contando a partir de suas nascentes, podem ser denominadas de regiões inclinadas/serranas: a primeira região inclinada/serrana está localizada a oeste e noroeste da calha principal plana do Rio Amazonas englobando as a áreas próximas as fronteiras da Bolívia, Peru e Colômbia; a segunda área inclinada/serrana é denominada Região Norte da Bacia Amazônica onde correm os rios próximos as divisas da Venezuela, Guiana, Suriname e Guiana Francesa e seus afluentes; a terceira região inclinada/serrana localizada ao sul é próxima ao planalto central brasileiro. As áreas montanhosas constituem a “borda da bacia amazônica”.

As três grandes áreas inclinadas/serranas juntas compreendem a maior percentagem da área da Amazônia Brasileira. Estas três grandes áreas (Figura 4)[4] apresentam grandes oportunidades de aproveitamentos hidroelétricos principalmente “a fio d’água“ que não provocam grandes alagamentos ou desmatamentos e podem com relativa facilidade suprir as necessidades de eletricidade dos pequenos assentamentos humanos existentes e atividades extrativistas.

Mapa Potencial Elétrico, mostrando as bacias, – Eletrobras (Eletrobras, 2017)

Mapa das Elevações do Brasil (topographic.mapa.com)

Figura 4: Mapas dos rios (ao alto), e de elevações (abaixo) assinalando regiões onde é mais viável o aproveitamento hidroelétrico na Amazônia.

Na região semiárida do “Terceiro Brasil” situada no Nordeste Brasileiro a utilização racional da energia solar e eólica pode muito contribuir para a melhora econômica da região. Ver Mapa da Figura 5 (CEPEL Eletrobras, 2001).

Figura 5: Atlas do Potencial Eólico Brasileiro
CEPEL/MME

Para os grupamentos humanos isolados, onde economicamente não for viável o “back-up” por redes elétricas do sistema elétrico, será necessária a estocagem de energia em baterias ou a utilização de geradores diesel para garantia do suprimento de energia elétrica.

Os grupamentos humanos do “Terceiro Brasil” onde ocasionalmente houver a interligação com as redes do Sistema Integrado Nacional poderão, além do uso das fontes renováveis, utilizar o regime de exportação/importação de energia através de redes inteligentes e utilizando indiretamente o estoque regulatório de água dos reservatórios das hidroelétricas, tornando praticamente desnecessária a estocagem local de energia em baterias para garantir a regularidade do fornecimento de energia elétrica.

Denomina-se “Sistema Integrado Nacional – SIN” o servido pelas grandes linhas de transmissão (Figura 6), as redes de distribuição e seus ramais que atendem ao “Primeiro Brasil”, ”ao Segundo Brasil” e aos centros de consumo por ventura interligados do “Terceiro Brasil”. O SIN tem nas hidroelétricas sua fonte principal de produção de energia. Nota-se na Figura 6 que grande parte do território brasileiro integra esse “Terceiro Brasil” onde o SIN não está presente.

O maior potencial hidrelétrico a ser explorado pelo Brasil se concentra nas áreas da Bacia do Amazonas que não apresentam grandes elevações nem são propícias a reservatórios de grande capacidade. Na concepção atual de desenvolvimento brasileiro, essas usinas se destinam à “exportação” para a região Sudeste-Centro-Oeste SE-CO como já acontece com as usinas instaladas do Rio Madeira e, em grande parte, com a própria energia de Itaipu. Essas usinas chegaram a ser consideradas, para fins de planejamento do SIN, como integrantes da região SE-CO.

Figura 6: Sistema Integrado Nacional – SIN Mapa das Linhas de Transmissão da ONS (ONS)

A introdução de usinas a fio d’água é um grande problema não suficientemente explicitado no nosso planejamento elétrico. No início de 2005, ele foi claramente exposto no artigo “Um Porto de Destino para o Sistema Elétrico Brasileiro” na revista E&E № 49. Na Figura 7, (retirada desse artigo), mostram-se as curvas de energia natural afluente – ENA para as diversas regiões do Brasil que compõem o SIN.  A solução desse problema não é trivial. A regulação sazonal não poderá ser feita com os reservatórios já existentes e o custo da nova energia, com cinco meses do ano com cerca de 10% da capacidade máxima, deverá obrigatoriamente incluir o da energia complementar para o período seco. Esta já é, aliás, a realidade que enfrenta o consumidor que já está pagando um preço diferenciado para cobrir o custo das usinas térmicas que atualmente utilizam óleo ou gás combustível.

Energia Natural Afluente nas Regiões do SIN

Figura 7: A energia natural afluente é governada pela vazão dos rios, na medida que se amplie a participação da Região Norte, com usinas sem reservatórios, a geração elétrica passará a ter forte sazonalidade.  

Soma-se, agora, a oscilação ao longo do dia da energia eólica (atualmente) e futuramente da solar, defasadas da curva diária de consumo. Isso exige das hidroelétricas um excesso de capacidade instalada que encarece seus custos e obriga o uso do estoque regulador.

É primordial a conscientização sobre a importância de considerar a água existente nos reservatórios como estoque regulador de energia. Isso nos conduzirá a utilizar o SIN priorizando a utilização da energia proveniente da região norte nos meses que houver grande caudal e, na medida do possível, estocar água nas hidrelétricas das outras regiões que tenham  capacidade de estocar.

O caudal (vazão) dos rios que alimentam as hidrelétricas (volume de água por segundo) varia ao longo das estações do ano e também com as variações plurianuais dos ciclos hidrológicos. O funcionamento das termoelétricas que consomem biomassa também está sujeito a variações anuais e plurianuais. Torna-se, portanto evidente o conceito de adotar um “estoque regulador de energia” para compensar os períodos em que a energia disponibilizada pelo baixo caudal dos rios e a biomassa disponível seja insuficiente para atender a demanda. O “estoque regulador de energia” é a soma dos estoques de água existentes nos reservatórios das hidroelétricas.

Não existe melhor estoque regulador de energia do que a água nos reservatórios das hidroelétricas. Tal estoque regulador de energia permite atender com simplicidade e presteza as variações na demanda de eletricidade[5].

É desejável também a adoção da estratégia de priorizar no despacho as usinas hidrelétricas à fio d’água e com pequena capacidade de estocar água objetivando sempre maximizar o “estoque regulador de energia” depositado em água nos reservatórios.

As usinas nucleares, se existirem em quantidade suficiente, permitirão ao operador nacional do sistema elétrico gerenciar o sistema de forma que haja sempre o “estoque mínimo necessário regulador de energia” que permita atender as flutuações na demanda de eletricidade mantendo razoável o custo da produção da eletricidade e o baixo impacto ambiental, mesmo nos períodos de baixa pluviosidade. Sabe-se, no entanto, por simulações, que o “cobertor” do estoque nos reservatórios existentes e os possíveis de construir será curto e as térmicas convencionais (óleo, gás natural ou biomassa) deverão ser acionadas para absorver o déficit sazonal ou déficits de chuva plurianuais.  

Parece obvio que a modelagem do sistema elétrico brasileiro para produção, transporte e distribuição de energia e sua comercialização deve ser decidida com base nas peculiaridades brasileiras e não na utilização, sem a devida adaptação, de conceitos “importados” do Reino Unido.  A ideologia de liberalização vem, historicamente, experimentando altos e baixos na economia brasileira. Mesmo respeitando a ideologia liberal (atualmente em alta), é necessário o entendimento do sistema brasileiro e não simplesmente arremedar as práticas comerciais de outro país.

Na composição atual do Operador Nacional do Sistema Elétrico participam representantes das empresas geradoras; o ONS pode, portanto, sofrer grande influência dessas empresas em detrimento do melhor interesse dos consumidores. Seria melhor que fosse um órgão de governo composto de funcionários de carreira trabalhando em sistema aberto tipo bolsa de valores com painéis que demonstrassem suas decisões em plenário onde os representantes das empresas pudessem estar presentes, o que agregaria maior transparência ao sistema.

Os leilões da ANEEL – Agencia Nacional de Energia Elétrica, deveriam ser realizados entre os produtores de energia da mesma fonte energética de produção e não uma competição geral entre fontes diferentes como no sistema atual, de inspiração importada. Para cada fonte primária de produção de energia seriam alocadas cotas de fornecimento de energia que comporiam o “mix”, estrategicamente planejado, para garantir o suprimento de eletricidade ao menor preço médio possível e minimizando o impacto ambiental.

Uma “frase de impacto” de um influente assessor governamental à época da implantação do sistema administrativo gerencial econômico do setor elétrico nacional, que havia participado da elaboração do Programa Computacional New Wave para auxilio nas decisões para operação do sistema elétrico, resume, deste modo, a lógica de prioridade no “despacho” das usinas (fontes) produtoras de eletricidade: “não interessa se trata – se de combustível de cocô de galinha ou fusão nuclear o que interessa é o preço da energia”. Esta frase revela a mentalidade financeira e visão curta de quem entende muito pouco de planejamento energético particularmente em se tratando de um sistema elétrico com as características do Sistema Integrado Nacional. Ela sintetiza a miopia de um gerenciamento focando exclusivamente o aspecto contábil em curto prazo e não o comportamento anual e plurianual do sistema objetivando a segurança do fornecimento e o menor preço médio da energia.

No Brasil, a produção de energia para o atendimento continuo da “base de carga” pode ser entendida como sendo a energia produzida pelas hidroelétricas, usando a média anual do caudal mínimo dos rios que as alimentam, adicionando também a média mínima da energia produzida pelas fontes eólica e solar acrescida pela energia produzida pelas usinas termo- elétricas de menor preço (nucleares e a carvão) operando em produção anual continua . Os picos diários de demanda, ou seja, o “segmento de carga” deve ser prioritariamente atendido com o estoque regulador de energia constituído pela água dos reservatórios. As hidroelétricas têm a capacidade de “seguir a carga” com mais facilidade e economicidade do que as usinas térmicas.

As usinas termoelétricas a gás e óleo são construídas com menor valor de investimento, mas funcionam com o combustível de maior preço resultando em alto preço na energia elétrica produzida. Não é aconselhável que essas usinas operem continuamente ao longo do ano. Quando não estão produzindo energia são remuneradas pelo retorno do investimento acrescido do custo operacional nesta condição e lucro. Quando solicitadas a operar pelo Operador Nacional do Sistema recebem o adicional pela energia efetivamente produzida. É assim, mas isto é vantajoso para quem?

Para funcionar produzindo grandes “blocos de energia” em regime continuo na “base de carga” as usinas térmicas que produzem energia a menor preço por Megawatt-hora são as usinas nucleares e as usinas convencionais que usam carvão como combustível.

O Brasil é prodigo em reservas de urânio e detém a tecnologia de todas as etapas do ciclo combustível nuclear desde a mineração e produção do Yellow Cake até a finalização do elemento combustível para ser usado nos reatores, passando assim por todas as etapas do ciclo do combustível nuclear. Nosso País consta da pequena lista de países que dominam a tecnologia de enriquecimento de urânio e dispõe de grandes reservas de urânio. Somente os Estados Unidos, Rússia e Brasil fazem parte desta pequena lista. Todos os demais países ou dispõem da tecnologia do ciclo do combustível nuclear ou são detentoras de reservas de urânio ou nenhuma das duas condições e pagam por isso quando é compensador.

Países sem grandes fontes de combustível como o Japão e a França dificilmente poderão prescindir da utilização da energia nuclear que pode proporcionar estoque plurianual de combustível a preços competitivos e pequeno volume de armazenamento.

Quando for feita a reformulação correta e competente do sistema elétrico brasileiro ficará evidente a necessidade utilização continua em base de carga das usinas núcleo-elétricas ficando para uso apenas ocasional (quando houver necessidade) as usinas termo elétricas convencionais a óleo e gás para completar a produção de energia em poucos meses do ano. Em virtude do grande investimento necessário, o ritmo de construção das usinas nucleares deve ser compatibilizado com as necessidades de fornecimento de energia em base de carga que assegure a existência do estoque regulador de energia adequado.

O completo entendimento do conceito de utilizar o volume de água nos reservatórios das hidrelétricas no sistema elétrico como “estoque regulador de energia” permitirá minimizar o preço médio da energia elétrica, o impacto ambiental e maximizar o uso das fontes energia renováveis menos poluentes.

8.    O Futuro da Energia Nuclear no Brasil

Deve-se ter em vista que o consumo de eletricidade continuará crescendo e que a situação atual é uma única exceção (em 50 anos) em que repetimos em 2018 o consumo de 2014. O estoque máximo de água nos reservatórios se manteve constante desde o inicio na década de 1990. A melhor forma de garantir o estoque regulador de água é considerar como energia de “Base de Carga Hidroelétrica” o caudal mínimo anual dos rios e usar usinas nucleares que são as termoelétricas de menor preço da energia (comparando-se com as demais termoelétricas) para compor a “base de carga de energia elétrica”. As grandes reservas nacionais de urânio estimulam a adoção desta opção.

A Eletronuclear desenvolveu em parceria com a COPPE, Coordenadoria de Pós-Graduação em Engenharia da Universidade Federal do Rio de Janeiro com a ótica da “segunda era nuclear” um importante estudo de localização para construção de centrais nucleares no Brasil. As conclusões desse estudo foram divulgadas sob a forma de palestras pela Empresa. Tal estudo iniciou-se pela seleção dos locais para construção que atendem a uma extensa lista de requisitos (mais de dois mil) priorizando a segurança nuclear. Foram selecionadas quarenta opções de localização que atendem a todos os requisitos.

Cada central núcleoelétrica planejada neste estudo, ao final de sua construção, teria capacidade para comportar seis usinas nucleares tipo PWR com cerca de 1200 Megawatts que seriam construídas sequencial e paulatinamente. É recomendável que o inicio da construção de cada usina da mesma central seria defasado de cerca de um ano e meio do inicio da construção da usina anterior para otimizar a utilização da mão de obra e minimizar o preço total da construção de cada central.

Considera-se aqui que a decisão sobre a possível implantação dessas centrais seria tomada no planejamento energético global, mas os possíveis locais já estariam determinados.

Naquele estudo, foi feita a opção por usinas dotadas reatores PWR modernos com sistema de segurança passiva aprimorada que não necessitam de energia externa para remoção do calor residual produzido pelos núcleos dos reatores após o desligamento com a interrupção da reação nuclear em cadeia.

O conceito de segurança passiva aprimorada prevê que o calor residual de um reator nuclear depois do desligamento súbito, que no primeiro momento, se constitui em cerca de 2,3% da energia que o reator vinha produzindo antes da interrupção da reação nuclear em cadeia e decresce rapidamente ao longo de quarenta e oito horas para valores mínimos seja absorvido sem a necessidade de existir um sistema independente de remoção de calor que utilize energia elétrica como ocorre na maior parte das usinas nucleares atualmente existentes.

 Os modernos reatores PWR são projetados para que a dissipação desta energia residual produzida pelo núcleo do reator seja realizada por circulação natural por convecção da água no circuito primário da usina tornando-se desnecessária a utilização de energia elétrica de fonte não nuclear externa para assegurar a remoção do calor residual.

Ao término da construção, cada Central Nuclear composta de seis usinas teria a potência total instalada de sete mil e duzentos megawatts e podendo operar com o fator de capacidade de 0,9. Cada uma dessas centrais nucleares, quando dotadas das seis usinas, produziria mais energia do que a soma das energias produzidas pelas hidrelétricas da empresa Furnas ou da empresa CHESF- Centrais Hidrelétricas do São Francisco ou a metade da energia anual gerada pela usina de Itaipu.

A retomada do crescimento econômico brasileiro implicará necessariamente em aumento do consumo de eletricidade e tornará ainda mais evidente a necessidade de aumentar utilização de termoelétricas nucleares na ”base de carga” produzindo “grandes blocos de energia”. Caso seja mantida a atual intensa utilização de usinas termoelétricas convencionais a óleo e gás o alto preço da eletricidade atualmente praticado tenderá a aumentar.

Qualquer nova usina nuclear, prevista para ser construída, deverá ser planejada com a ótica da “segunda era nuclear” que prioriza a segurança e entende a energia nuclear não como sendo “a solução” para produção de eletricidade e sim com uma fonte complementar primária de produção de energia com segurança que não pode deixar de participar de um “mix” de fontes produtoras para assegurar a garantia no fornecimento de eletricidade com economicidade e minimizando os impactos ambientais.

O planejamento da geração nuclear tem que ser parte do programa de longo prazo de geração de energia para o Brasil. A periodicidade atual (planos decenais) é inadequada para isso. Em termos de planejamento energético nacional, dez anos constituem um prazo curto. O ciclo de planejamento e construção de uma instalação de grande porte produtora de energia e linha de transmissão associada é da ordem de dez anos de acordo a pratica internacional e frequentemente um empreendimento de porte escapa ao ciclo de dez anos. O lançamento do plano de longo prazo vem sendo sucessivamente adiado pelo Governo Federal.

Para o importante setor nuclear torna-se necessário:

  1. Terminar a construção da Usina Nuclear Angra 3 da Central Nuclear Álvaro Alberto em Angra do Reis.
  2. Decidir o local da construção de uma ou até mesmo duas centrais nucleares, com a possível brevidade, selecionando sua localização entre as quarenta localizações recomendadas nos estudos realizados pela COPPE e a Eletronuclear que sejam mais convenientes para atender as necessidades do Sistema Integrado Nacional. Com isto, não se perderia o conhecimento acumulado na área por técnicos altamente especializados.
  3. Decidir, a programação da construção das usinas dentro de um planejamento global, idealmente, com o início da construção da primeira central até 2022. É possível custear, ao menos parcialmente, a construção das usinas nucleares com a “venda futura de energia” garantida por acordos de governo, porém mantendo a propriedade e responsabilidade da estatal brasileira pela propriedade, operação e descomissionamento das usinas nucleares[6].
  4. Construir a instalação de armazenamento intermediaria de rejeitos da Central Nuclear Álvaro Alberto e o módulo de demonstração experimental da Instalação para estocagem, em longo prazo, de combustível nuclear queimado. Este novo conceito de estocagem concebido na Eletronuclear permite estocar por mais de quinhentos anos todo o combustível nuclear utilizado em todas as centrais nucleares brasileiras com total segurança e baixo preço, usando a remoção do calor residual por circulação natural e permitindo monitoramento seguro, simples, constante e de baixo custo. Esta solução é tecnologicamente muito mais avançada do que o antigo conceito de deposição dos rejeitos nucleares em grandes profundidades em locais teoricamente considerados estáveis que foi preconizado durante a “primeira era nuclear” e que na realidade significa “colocar o lixo debaixo do tapete”, embora essa concepção ainda conte com grande número de adeptos.
  5. Aprimorar a operação e ampliar as instalações da INB – Indústrias Nucleares do Brasil de forma que em um prazo máximo de dez anos sejam atendidas as necessidades de combustível nuclear para alimentar as usinas nucleares que estiverem em funcionamento no País.
  6. Ampliar a responsabilidade da INB para ser encarregada do transporte e armazenamento do combustível nuclear queimado dos reatores e posteriormente, quando for economicamente recomendável para o Brasil, reprocessar o combustível nuclear queimado[7], e manter a estocagem monitorada dos rejeitos usando o provavelmente as mesmas instalações construídas em região adequada para o armazenamento intermediário, no longo prazo, do combustível nuclear queimado.
  7. A CNEN – Comissão Nacional de Energia Nuclear completará a construção do RMB – Reator de Multipropósito Brasileiro em Iperó, São Paulo, para atender as necessidades nacionais de radioisótopos, testes de materiais e combustíveis e experiências conjuntas com centros de pesquisa e universidades.
  8. Ampliar a prospecção de Urânio em território nacional.
  9. Incluir nas responsabilidades da INB a comercialização e gestão do estoque de urânio para atender as necessidades nacionais. A INB passaria a ter a atribuição de adquirir no Brasil a preços do mercado internacional em longo prazo o Yellow Cake que as mineradoras que operam no país decidirem produzir a partir do conteúdo de urânio nos minérios que exportam.
  10. Dar prosseguimento ao programa de submarinos com propulsão nuclear e, consequentemente, a todas as atividades em desenvolvimento em Aramar.

Bibliografia

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Alvin, Weinberg M. 1997. The First Nuclear Era: The Life and Times of a Technological Fixer Hardcover. s.l. : American Institute of Physics; 1994 edition , 1997. ISBN-13: 978-15639635.

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  1. 2018. BP Satistical Review of World Energy, 67th Edition. s.l. : BP, 2018.

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CEPEL Eletrobras. 2001. Atlas do Potencial Eólico Brasileiro (2001). CRESESB. [Online] 2001. http://www.cresesb.cepel.br/index.php?section=publicacoes&task=livro&cid=1.

Craddock III, Jack. 2016. The Shippingport Atomic Power Station. [Online] 2016. http://large.stanford.edu/courses/2016/ph241/craddock1/.

Eletrobras. 2017. MapaSipot-Dezembro2017. [Online] dez de 2017. http://eletrobras.com/pt/AreasdeAtuacao/geracao/sipot/MapaSipot-Dezembro2017.pdf.

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topographic.mapa.com. Brasil . topographei.mapa.com. [Online] http://pt-br.topographic-map.com/places/Brasil-3559915/.

  1. 1971. United Nations, General Assembly – Twenty-sixth Session. Restoration of the lawful rights of the Peoples’s Republic of China in United Nations. [Online] 25 de October de 1971. http://www.un.org/en/ga/search/view_doc.asp?symbol=A/RES/2758(XXVI).

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Notas:

[1] 1938 (Dezembro) Fermi recebe o prêmio Nobel pela descoberta de “elementos transurânicos”, na verdade fissão de urânio e parte para os EUA. (22 deDezembro ) Otto Hahn envia texto para Lise Meiner com resultados experimentais que são interpretados por Meiner e seu sobrinho Otto Frish como fissão nuclear.  
1939 (6 de janeiro) Hahn e seu assistente Fritz Strassmann publicam seus resultados; (11 de Fevereiro)  Meitner and Frisch publicam a interpretação teórica dos resultados de Hahn-Strassmann como fissão nuclear .

[2] União Soviética 1949, Reino Unido 1952, França 1960 e China em 1964.

[3] Cerca de 14.570 ogivas sendo que 13.400 em poder de Rússia e EUA, conforme avaliação da Arms Control Association https://www.armscontrol.org/factsheets/Nuclearweaponswhohaswhat

[4] Nota: Vale a pena acessar os mapas mostrados na Figura 3. Os mapas permitem o zoom para examinar detalhes. É possível, no segundo mapa, ler a altitude do famoso encontro das águas dos rios Negro e Solimões, perto de Manaus. Onde a altitude é de 7m em relação ao mar. Isto faz com que o aproveitamento hidroelétrico do Rio Amazonas propriamente dito, formado deste encontro das águas, seja praticamente inviável para centrais de porte.

[5] Em alguns países do mundo são usadas usinas reversíveis, sendo a água de um reservatório bombeada para reservatórios a montante para armazenar energia excedente de outras usinas. Isto exige um considerável investimento que mesmo assim pode ser viável. Im considerável investimento que o Brasil ainda consegue evitar, mas pode ser uma alternativa às baterias para “armazenar vento” ou energia fotovoltaica.

[6] Na Bélgica, em uma mesma central existem usinas de diferentes proprietários o que nos sugere diferentes financiadores compradores de blocos de energia futura a ser produzida em uma mesma central nuclear brasileira. O financiamento da construção de usinas nucleares com o pagamento com a energia a ser produzida implicará na adoção de legislação que garanta a compra, o preço futuro da energia, sua correção inflacionaria e garantia cambial.

[7] Essa posição coincide com a adotada pela Política Nuclear Brasileira (Decreto Nº 9600 de 05/12/2018) e tem o significado de que o Brasil considera a energia contida no combustível utilizado aproveitável no futuro e baliza a definição do tipo de armazenamento a ser adotado que é muito importante na fase atual.

Repensando o Sistema Elétrico Brasileiro

Prévia da Revista E&E Nº 102 

Palavra do Editor:

REPENSANDO O SISTEMA ELÉTRICO BRASILEIRO

O sistema elétrico brasileiro é sui generis pela predominância de energias ditas limpas, do ponto de vista da emissão de CO2. A nuclear faz parte deste tipo de energia e sua participação é de 3% da geração de eletricidade no Brasil.

A forte participação da energia hidráulica praticamente exigiu a criação de um sistema nacional integrado de eletricidade, administrado de forma centralizada. Esta configuração foi facilitada, até os anos noventa, pelo fato da geração e transporte de energia serem estatais. A gestão desse sistema cabia, na prática, à Eletrobras com suas empresas regionais, com algum contraponto da forte presença de geradoras e distribuidoras estaduais fortes.

A introdução da participação do capital privado nos anos noventa obrigou a mudança de estrutura do setor elétrico. Foi criado um órgão para gerir o Sistema Integrado Nacional Elétrico – SIN e uma agência para normalizar o setor. Empresas estatais foram privatizadas e outras abriram seu capital. Foi abandonada a regionalização das geradoras. Um sistema de leilões passou a reger as concessões. A conjuntura de abertura econômica e as características geográficas dos novos aproveitamentos impediu a construção de grandes reservatórios.

Uma reestruturação do mercado de energia elétrica foi feita sob forte influência do modelo britânico. Esta estrutura foi posta a prova no “apagão” de 2001 e isto abriu mais espaço para as térmicas convencionais na matriz de geração. Posteriormente foi aberto espaço para as novas renováveis, principalmente a eólica, e também para a biomassa. A nova estrutura não tinha preocupação especial com as regiões menos providas dos “três Brasis”. No terceiro Brasil, desprovido das energias integradas, estão as regiões isoladas do SIN onde, paradoxalmente, também estão as grandes possibilidades de geração hídrica futura.

A situação da energia nuclear não foi bem resolvida e continuou dependente de aportes estatais e engessada por uma fixação de tarifas que não possibilita novos investimentos.

As hidrelétricas construídas a partir da década de 1990 e as futuras não possuirão reservatórios significativos e operariam a “ fio d’água” onde a energia produzida é função da capacidade das turbinas instaladas e da vazão momentânea do rio que alimenta cada hidrelétrica sendo, portanto, mais sujeitas aos caprichos da natureza. Neste século tem sido crescente a utilização das fontes eólica, solar e biomassa intrinsecamente dependentes da natureza, aumentando a complexidade de atender e garantir o fornecimento de energia elétrica da maneira mais econômica possível minimizando o impacto ambiental. 

Estamos necessitando de uma nova visão do sistema elétrico brasileiro que leve mais em conta seu caráter tão especial. Para refletir sobre esse assunto, contamos com a colaboração de Othon Pinheiro da Silva, personagem de capital importância na história do desenvolvimento da energia nuclear no Brasil.

O trabalho aqui apresentado resultou de uma demanda feita a ele pelo Presidente do Clube de Engenharia. Procuramos acrescentar alguns detalhes e ilustrações ao trabalho que, fundamentalmente, segue a linha de pensamento do documento originalmente concebido para atender àquela solicitação.

Carlos Feu Alvim

 

Sumário

REPENSANDO O SISTEMA ELÉTRICO.

SISTEMA ELÉTRICO E   ENERGIA NUCLEAR NO BRASIL

Resumo.

Palavras chave:

  1. Energia Nuclear: Explosão Inicial
  2. Energia Nuclear para Gerar Eletricidade.
  3. Energia Núcleo Elétrica no Brasil 
  4. A Tradição Hidroelétrica.
  5. A Reforma do Sistema Elétrico dos Anos 1990
  6. Repensando o Sistema Elétrico. 
  7. Os três Brasis.
  8. O Futuro da Energia Nuclear no Brasil 

Bibliografia

 

 

Opinião:

SISTEMA ELÉTRICO E
 ENERGIA NUCLEAR NO BRASIL

Othon Pinheiro da Silva, Olga Mafra e Carlos Feu Alvim

Resumo

A energia nuclear é a mais recente das fontes energéticas que utiliza a humanidade e está completando oitenta anos.

Sua utilização inicial foi bélica e isto marcou seu futuro. Sua utilização pacífica na geração de energia nuclear se dá principalmente na geração elétrica, mas é também muito relevante o uso de isótopos na medicina. A energia nuclear é hoje reconhecida como caminho eficaz para reduzir a emissão de gases de efeito estufa. Na matriz energética brasileira, ela tem a participação de 3% e permanecerá com uma participação minoritária na matriz energética brasileira nas próximas 3 décadas.

A abertura econômica dos anos de 1990 tentou reorganizar o sistema elétrico de maneira a admitir a maior participação do capital privado e, forçada pelo “apagão de 2001”, incorporou novas fontes de na geração de eletricidade. O sistema adotado, com forte influência do exemplo termoelétrico britânico, apresentou problemas que precisam ser equacionados levando melhor em conta suas características próprias e sua complexidade econômica, geográfica e climática. A impossibilidade construir grandes reservatórios incluiu a energia hídrica entre as fontes sujeitas aos caprichos da natureza como a eólica, solar e biomassa,.

A solução dessas complexidades demanda uma reforma do sistema elétrico que necessita de energia estável de base, onde a nuclear deve colaborar e também para cobrir as oscilações do sistema com melhor uso dos reservatórios e o ocasional uso de fontes térmicas.

Palavras chave:

Sistema elétrico, energia nuclear, geração de eletricidade, gestão, clima.

1.    Energia Nuclear: Explosão Inicial

A energia nuclear é a mais recente entre as fontes disponíveis de energia utilizadas pela humanidade. A descoberta da fissão nuclear ocorreu em 1938/1939 quando Otto Hahn submeteu e publicou seus resultados experimentais e Lise Meitner e Otto Frish completaram a interpretação dos experimentos de Otto Hahn (Atomic Archive). A energia nuclear está, portanto, completando 80 anos de idade[1].

Como a descoberta da fissão nuclear coincidiu com o início da Segunda Guerra mundial, sua primeira aplicação foi bélica. A humanidade tomou conhecimento da energia nuclear em 1945 com os holocaustos de Hiroshima e Nagasaki que provocam até hoje no ideário popular natural rejeição a esta fonte de energia.

Ao terminar a Segunda Guerra Mundial, teve inicio a geopolítica bipolar onde o mundo foi dividido em dois grandes blocos, o Ocidental liderado pelos Estados Unidos e o Bloco Soviético liderado pela então União Soviética (cuja sucessora é a Rússia).

A ONU foi criada em 1945 e os cinco países, considerados os vencedores da Segunda Grande Guerra Mundial, EUA, União Soviética, Reino Unido, França e China, ocuparam os lugares permanentes no Conselho de Segurança da ONU, tendo poder de veto. Não por coincidência, estes mesmos países foram os primeiros a se juntar ao “Clube Nuclear”, entre 1949 e 1964[2]. A China foi, até 1971, representada pelo governo nacionalista de Taiwan. A partir daquele ano, a Resolução 2758 (UN, 1971) da Assembleia Geral da ONU estabeleceu a República Popular da China como representante daquele país na ONU e no Conselho de Segurança.

Foi estabelecida uma corrida armamentista, entre estes dois grandes blocos, que priorizava a fabricação de bombas atômicas e mísseis de longo alcance para transportar as ogivas nucleares. Na década de 1950, as bombas nucleares tiveram sua capacidade de destruição “exponenciada” com o desenvolvimento das bombas nucleares que usam a fusão nuclear (comumente conhecida como Bomba H, de hidrogênio). A corrida armamentista continuou crescendo até que ambos os blocos entenderam o conceito MAD – Mutual Assured Destruction (destruição mutua assegurada). Acordos entre as duas maiores potências e o fim da Guerra Fria levaram a uma sensível redução das ogivas nucleares e a quantidade delas diminuiu. Atualmente, o número está estável, mas ainda foi mantido um considerável estoque mundial de bombas [3].

Os cinco componentes do “Clube Nuclear” são membros permanentes do Conselho de Segurança e cada uma das cinco potências tem a prerrogativa de vetar as resoluções da ONU. Posteriormente, Israel (veladamente), Índia, Paquistão e Coreia do Norte agregaram armas atômicas aos seus arsenais, mas sem adquirir o “status” de “nuclear weapon states” no Tratado de Não Proliferação Nuclear – TNP ou de membro do Conselho de Segurança da ONU.

Figura 1: Evolução das ogivas nucleares nos EUA.

Em 1965, o estoque de armas nucleares nos EUA havia superado as 30.000 ogivas, logo após a crise dos mísseis em Cuba (Figura 1). A partir daí, houve uma gradual redução dos arsenais tanto dos EUA como da União Soviética com acordos de desarmamento a partir de 1991. Seguiu-se a dissolução da União Soviética e os estoques de armas nucleares se estabilizaram a partir de 2010. Sabe-se menos a respeito da evolução dos estoques da extinta União Soviética. Rússia e EUA teriam, em 2018, um arsenal um pouco superior a 6.500 ogivas cada (Arms Control Association, 2018).

2.    Energia Nuclear para Gerar Eletricidade

Já no início dos anos sessenta, com o início do arrefecimento da grande corrida armamentista bipolar mundial houve mais espaço para aplicações pacíficas. Surgiram usinas nucleares incorporadas à rede de distribuição. As primeiras parecem ser a de Obninsky APS-1 que em 1954 teria se conectado, com 5 MW, à rede, a de Sellafield (Calder Hall) no Reino Unido, que iniciou seu funcionamento em 1956 com capacidade inicial de 50 MW, depois aumentada para cerca de 200 MW (European Nuclear Society), e que seria também a primeira a ser descomissionada  (Brawn, 2003) e a Shipping Port Atomic Power com 60 MWe da Duquesne Light Company  (Craddock III, 2016) nos Estados Unidos que, de acordo com a US Nuclear Regulatory Comission, foi a primeira projetada para uso comercial, tornando-se operacional em 1957.

A partir de 1962, a tecnologia nuclear começou a ter sua utilização ampliada na geração de energia elétrica e se iniciou um período de grande euforia, denominado por Weinberg como a “primeira era nuclear” (Alvin, 1997) onde inicialmente havia a utopia de que seria possível produzir grandes quantidades de energia elétrica a preços ridiculamente baixos com a fonte nuclear. No final da década de 1960, iniciou-se a conscientização da realidade dos preços.

O incidente ocorrido na usina de Three Mile Island, dia 28 de Março de 1979, em Harrisburg Pensilvânia nos Estados Unidos, embora não tenha causado praticamente nenhum dano humano ou material, serviu de alerta para o que deveria ser aprimorado nos conceitos de operação e segurança das usinas nucleares. Esse alerta provocou modificações em todas as usinas nucleares que usavam reatores tipo PWR – Pressurized Water Reactor, aumentando sua segurança.

Entretanto já existiam outras usinas nucleares com reatores de tecnologia menos segura como os reatores RMBK de Chernobyl, Ucrânia e também usinas em cuja instalação não haviam sido respeitadas as boas normas internacionais de segurança em sua localização, particularmente, na sua cota de posicionamento em relação ao nível do mar como ocorreu em algumas das usinas BWR- Boiling Water Reactor , que foram construídas na Central Nuclear de Fukushima, Japão. Uma descrição do ocorrido foi publicada pela AIEA (AIEA, 2015).

As usinas da Central Nuclear Fukushima foram construídas em uma cota baixa relativa ao nível do mar. A cota do protetor marinho foi fixada em 5,5 m a partir de avaliações disponíveis na época. Uma reavaliação do órgão superior que cuida de terremotos no Japão, anterior aos eventos, modificou para cima o nível de terremoto que poderia ser esperado na região bem como a altura da onda do Tsunami. A Tokyo Electric Power Company – TEPCO, proprietária da Central, não mudou as especificações das usinas nem foi forçada a isto pelo órgão regulador nuclear japonês. Com isso, a cota da usina era inferior à altura para resistir à onda máxima prevista na reavaliação. A previsão dessa reavaliação estava próxima da que realmente atingiu a Central (cerca de 10m) .

As instalações diesel geradoras de energia em emergência existem em todas as usinas nucleares para prover a energia elétrica necessária para operar o sistema de remoção do calor residual dos núcleos dos reatores nucleares após o seu desligamento. Em Fukushima, em virtude de insuficiente altura em relação ao nível do mar, estas instalações, auxiliares porem muito importantes, foram alagadas pela onda causada pelo tsunami e ficaram inoperantes.

O não funcionamento do sistema de remoção do calor residual levou a fusão de alguns dos núcleos dos reatores da Central. Todas as usinas nucleares são dotadas de sensores de vibração e acelerômetros que provocam a interrupção do funcionamento e desligamento das usinas quando ocorrem terremotos mesmo de baixa intensidade.

A analise posterior da central de Fukushima indicou que as usinas, sob o ponto da integridade das suas estruturas, tubulações e equipamentos resistiram bem ao terremoto que foi maior do que o terremoto com as características para o quais foram projetadas. A Central Nuclear de Fukushima se encontra localizada a pouco mais de noventa milhas náuticas do encontro de três placas tectônicas que transforma aquela região em um dos locais mais instáveis sob o ponto de vista da sismologia e, por via de consequência, muito sujeita a grandes terremotos e tsunamis. O acidente evidenciou o posicionamento das instalações diesel geradoras de emergência em altura insuficiente em relação ao nível do mar. Não foram devidamente consideradas, no projeto, as peculiaridades locais causadas pela proximidade do encontro de placas tectônicas.

À inoperância dos geradores de emergência á diesel (só um da unidade 6 não foi atingido) e das baterias de emergência, em 3 delas, provocaram os piores acidentes (derretimento do elemento combustível e vazamento do vaso de contenção). Deve-se notar que não houve vazamento significativo de plutônio como no caso do acidente de Chernobyl. Isso pode contribuir para tornar possível a recuperação, no médio prazo, de boa parte da área atingida.

3.    Energia Núcleo Elétrica no Brasil

A decisão brasileira, no inicio da década 1970, de construir a Usina Nuclear Angra 1 e posteriormente a decisão de assinar o Acordo Nuclear Brasil Alemanha em 1975, não foi bem assimilada pelo setor elétrico de então que naturalmente tinha cultura fortemente hidrelétrica pelo fato desta fonte, até então, atender perfeitamente às necessidades de demanda de energia elétrica brasileiras.

Em decorrência do Acordo Nuclear Brasil Alemanha, de 1975, foi programada a construção de mais duas usinas em Angra dos Reis (2 e 3) e ainda a construção de mais duas usinas no litoral sul do Estado de São Paulo.

Naquela época, a opção nuclear se constituiu numa decisão de cúpula em um regime de exceção, ainda inspirada na utopia de produção de energia elétrica a preços muito baixos. A influência de fatores ligados à geopolítica foi também fator importante. A crise mundial causada pelo grande aumento do preço do petróleo em 1973 foi utilizada como motivadora da decisão.

4.    A Tradição Hidroelétrica

A determinação governamental, na década de 1970, de incorporar energia nuclear ao sistema elétrico foi imposta ao setor elétrico em paralelo com um grande programa de construção de hidrelétricas já em curso. Este, embora contasse com a aprovação do setor elétrico, teve seu dimensionamento decidido no mesmo regime verticalizado de decisão. Esse programa hidroelétrico previa o aproveitamento de praticamente todas as possibilidades de construção de hidrelétricas nos rios situados na região que se estende do Vale do Rio São Francisco até Itaipu. Foram grandes os investimentos no setor elétrico nesta época, um dos setores que mais recebeu investimentos no Brasil. O grande crescimento anual do PIB – Produto Interno Bruto naquele período e a atratividade político/empresarial das obras foram estimuladores deste grande investimento setorial.

A região acima mencionada era muito convidativa para construção de hidrelétricas, pois é geologicamente estável, localizada no meio de uma grande placa tectônica, dotada de oportunidades de aproveitamentos hidrelétricos em locais que já haviam sido desmatados em função de ciclos agrícolas e apresentava topografia que permitia a construção de reservatórios com grande capacidade de armazenamento de água. Esta região apresentava um conjunto de características favoráveis à construção e operação de hidrelétricas raramente encontradas em outros locais do nosso planeta.

Na década anterior (de 1960) o sistema elétrico nacional havia sido padronizado em corrente alternada com sessenta ciclos por segundo. Até então, a região de Minas Gerais, São Paulo e Paraná operavam com sessenta ciclos enquanto o Rio de Janeiro operava com cinquenta ciclos. A padronização da ciclagem facilitou a integração do sistema elétrico nacional onde as maiores fontes geradoras, as hidrelétricas, têm suas localizações definidas pela natureza e não pelo homem.

Ao longo da década de 1980, as hidrelétricas atendiam plenamente a demanda de eletricidade. O estoque de água nos reservatórios dessas usinas complementava o fornecimento de água necessário ao funcionamento satisfatório das turbinas nos meses do ano em que as vazões dos rios eram menores do que a demanda de energia elétrica, mesmo nos ciclos pluviométricos de seca na região central do Brasil onde estão localizadas as nascentes e os rios que alimentam grande parte do sistema hidrelétrico nacional.

Nas décadas de 1980 e 1990, as hidrelétricas que haviam sido construídas depois do racionamento na década de 1960 continuaram satisfazendo à demanda de eletricidade mesmo nos anos mais secos dos ciclos pluviométricos plurianuais que, historicamente, parecem se repetir com a periodicidade de cerca de dez a doze anos aproximadamente.

A partir da segunda metade da década de 1980, o sistema elétrico começou a apresentar problemas em termos administrativos e gerenciais. Havia inadimplência de uma estatal em relação à outra e muita interferência do setor político. É emblemático o desafio do Governador Orestes Quércia de São Paulo ao Presidente de Furnas (e anteriormente Ministro) Dr. Camilo Pena: Face à inadimplência por parte do Estado de São Paulo, o Governador tranquilamente desafiou o Presidente de Furnas sugerindo, ironicamente, “desligar São Paulo”. O assunto foi afinal resolvido pela interferência de pessoas sensatas.

Em alguns Estados da Federação havia empresas estatais estaduais que produziam, transmitiam e distribuíam a energia elétrica e também recebiam energia das empresas estatais nacionais pertencentes à ELETROBRAS. Não havia a separação administrativa empresarial entre a produção de energia por atacado nas hidroelétricas, a transmissão (o transporte a distância da energia) e a distribuição ao utilizador final, ou seja, o varejo. A influência político partidária cresceu demais e passou a comprometer o funcionamento de todo o sistema.

5.    A Reforma do Sistema Elétrico dos Anos 1990

Na década de 1990, estava evidente a necessidade de reformatação administrativa gerencial do sistema elétrico nacional e a economia brasileira foi atingida por uma onda de liberalismo. Foi contratada então a participação de uma empresa consultora do Reino Unido para tratar da reformulação e regulamentação do sistema elétrico nacional. O sistema elétrico Inglês, ao qual os consultores estavam acostumados, era prevalentemente térmico e com características completamente diferentes do sistema brasileiro. Na reestruturação, pós Margaret Thatcher, do sistema elétrico do Reino Unido em 1983 foi introduzido na regulamentação o conceito de competição e houve grande privatização das empresas participantes do fornecimento da energia elétrica produzida e distribuída no Reino Unido.

O sistema elétrico inglês nos anos noventa era quase inteiramente termoelétrico e muito dependente da utilização do carvão que estava começando a ser substituído por gás natural. O funcionamento das centrais que utilizam estes combustíveis é bastante independente de ciclos da natureza e praticamente sujeito somente ao planejamento e controle humano. A fonte hídrica representava apenas cerca de 2,5% do total da energia produzida naquele país.

O grupo de consultores ingleses tinha o “DNA” termoelétrico e era, logicamente, orientado pelas ideias de liberalização da economia, privatização e competição. Esta “escola de pensamento” contribuiu para que este “DNA” da onda econômica pós Margareth Thatcher fosse fortemente “miscigenado” na formulação da regulamentação do sistema elétrico brasileiro, majoritariamente hidrelétrico, que necessita compatibilizar o planejamento de sua operação com as variações do sistema pluviométrico controlado pela natureza e não pelo homem como é o sistema térmico do Reino Unido.

Um estudo adequado que fosse realizado por grupo competente e analisasse as características e as peculiaridades do sistema elétrico brasileiro e se preocupasse, não somente, em seguir as regras de comercialização da economia liberal, teria identificado que o estoque máximo de água nos reservatórios das hidrelétricas brasileiras havia se mantido constante desde a década de 1980 enquanto o consumo de energia elétrica naturalmente continuou crescendo e isto certamente repercutiria no planejamento e na operação do sistema elétrico brasileiro, predominantemente hidroelétrico. Ou seja, a reforma implantada nos anos 1990 não peca por seu caráter liberal – cuja discussão é importante está em uma esfera mais ampla – mas por não haver levado devidamente em conta a natureza física do sistema elétrico existente.

Em 2001, o país vivia um período de pouca pluviosidade e os reservatórios das hidrelétricas se encontravam praticamente vazios. O Brasil foi então “surpreendido pelo obvio” e tornou-se necessário o racionamento de energia elétrica que “a mídia” apelidou de “apagão”.

Na realidade o “apagão elétrico” havia sido precedido de um “apagão de competência” ao não se entender, por quase uma década, que o aumento e a transformação do consumo implicariam em modificações compatíveis na produção e na transmissão de eletricidade no Brasil.

A Usina Nuclear Angra 1 havia sido fornecida pela Westinghouse e iniciou seu funcionamento comercial em dezembro de 1984. Infelizmente, principalmente por falhas técnicas de projeto, apresentou baixo nível de desempenho ao longo das décadas de 1980 e 1990. Razões financeiras fizeram com que a Usina Nuclear Angra 2 tivesse desacelerada sua construção e o início da sua operação comercial somente ocorresse em fevereiro de 2001. Estes fatos contribuíram para a descrença dos executivos do sistema elétrico em relação à opção nuclear. Até o inicio do funcionamento comercial da Usina Nuclear Angra 2 o “sistema elétrico” associava energia nuclear unicamente a grandes investimentos e baixo desempenho.

Esse mesmo “sistema elétrico” reconheceu, no entanto, que sem a entrada em funcionamento comercial da Usina Termonuclear Angra 2 com 1300 MW de potência elétrica, no início de 2001, o “apagão elétrico” teria sido ainda maior.

Em consequência do “apagão”, imediatamente foi decidida a construção de termoelétricas que usam como combustível óleo ou gás e que apresentavam menor investimento inicial e menor prazo de construção.

As termelétricas que foram construídas a partir do “apagão” têm contribuído para garantir a continuidade no fornecimento de eletricidade independentemente das variações do regime pluviométrico, mas provocam excessivo aumento do preço médio da eletricidade ofertada ao consumidor, sobretudo porque, ao menos substancial parcela delas tem sido operada continuamente (na base de carga). Desconsidera-se também o aumento da emissão de gases de efeito estufa, ignorando compromissos assumidos internacionalmente pelo País.

A experiência internacional demonstra que termoelétricas para funcionarem continuamente “na base de carga” devem ser preferencialmente termoelétricas convencionais, usando carvão como combustível, ou usinas nucleares. As usinas convencionais a carvão são responsáveis por 38% da energia elétrica produzida no mundo, as térmicas a gás natural representam 23% e o óleo combustível apenas 3%. A contribuição mundial total das usinas hidrelétricas é da mesma ordem de grandeza (16 %) da contribuição da fonte nuclear (10 %) e a das fontes renováveis (8%).

A Figura 2 ilustra a enorme diferença da distribuição das fontes energéticas usadas na geração de energia que, por sua natureza completamente diversa da média mundial tem que ser administrado de uma maneira também diferente.

 

Óleo

Gás Natural

Carvão

Nuclear

Hidro

Reno-váveis

Outros

Brasil

3%

11%

4%

3%

63%

17%

0%

Mundo

3%

23%

38%

10%

16%

8%

1%

Fonte: BP stats-review-2018-all-data (dados referentes a 2017 (BP, 2018)

Figura 2: Comparação das estruturas de geração de eletricidade no Brasil e no mundo mostrando a peculiar estrutura brasileira,

Embora ainda muito menor do que faz acreditar sua divulgação, tem sido crescente a contribuição da energia renovável, principalmente eólica, mas também solar na produção de energia elétrica no Brasil e no mundo. A energia eólica mais a solar representaram em 2017 8% no mundo e 7,3% no Brasil. É destaque no Brasil a participação da biomassa que representa cerca de 9% da geração elétrica (na Figura 2, incluída entre as renováveis).

O desenvolvimento da tecnologia, com o uso de redes elétricas inteligentes, indica a tendência ao crescimento na utilização da energia eólica e também da energia solar na produção de energia elétrica brasileira, respeitando, evidentemente, suas características de fontes intermitentes e, portanto, dependentes de complementação.

6.    Repensando o Sistema Elétrico

Parece necessário repensar e reestruturar o sistema elétrico brasileiro, fundamentado em práticas comerciais não condizentes com as peculiaridades brasileiras, que atualmente mantém quase as mesmas bases estabelecidas na década de 1990. A revisão do planejamento do sistema elétrico certamente tenderá incorporar os avanços tecnológicos e a maior utilização das redes inteligentes.

Na reestruturação do sistema elétrico brasileiro, as necessárias modificações na operação e comercialização devem ser compatibilizadas com as características das fontes primárias nacionais de produção de eletricidade e também com o tipo de distribuição geográfica e peculiaridades da demanda de energia.

O varejo, ou seja, a distribuição final da energia elétrica em média e baixa tensão ao consumidor, após as subestações rebaixadoras de tensão, é praticamente independente da fonte produtora de energia. Trata-se de atividade administrativa e gerencial muito dinâmica normalmente melhor executada por empresas privadas em regime de concessão. Esta atividade pode ser fracionada para evitar grande concentração de poder em uma única empresa distribuidora em grande área do território nacional.

A lógica pode indicar que as empresas privadas, “responsáveis pelo varejo”, ou seja, pela entrega da energia elétrica ao consumidor final, tenham a sua sede no município embora possam ter como acionistas majoritários empresas “holding” que não tenham sede no município. É desejável que nas empresas distribuidoras municipais de energia uma pequena percentagem de suas ações seja de propriedade de moradores no município e que comprariam e também venderiam suas ações ao “preço de face das ações”. É importante que o representante deste grupo minoritário faça parte do conselho administrativo da empresa municipal. Em caso de “holding” controladora, obrigatoriamente um dos membros do conselho de administração, deveria pertencer a secretaria de energia do estado. A proximidade do entregador da energia com o cliente tende a aprimorar esse atendimento. Um bom exemplo de funcionamento deste sistema é o Município de Belmont no Estado de Massachusetts, Estados Unidos.

A distribuição final da energia por companhia com a sede situada no município contribui para aumentar a renda municipal e diminuir a “exportação” de capital da comunidade utilizadora final de energia para outros lugares.

A prioridade do sistema elétrico nacional certamente deverá ser a garantia e segurança do fornecimento de eletricidade, buscando o menor preço médio do Megawatt-hora (MWh) e a minimização do impacto ambiental.

No planejamento do sistema elétrico é importante considerar que, ressalvada sua grande importância, este setor se constitui um segmento da matriz energética nacional que em seu planejamento deverá levar em consideração a eficiência e economicidade de utilização dos insumos energéticos.

O biênio fundamental dos cursos de engenharia inclui  cursos de termodinâmica que nos ensinam que a transformação de energia química ou térmica em energia mecânica apresenta sempre modesta eficiência. A utilização do gás e derivados de petróleo em aplicações “mais nobres” como são os meios de transporte, por sua portabilidade, na petroquímica, por serem praticamente insubstituíveis, ou no aquecimento direto industrial e domiciliar onde a termodinâmica mostra que a eficiência da transformação da energia química em energia térmica é muito alta.

No planejamento da matriz energética nacional parece lógico priorizar os combustíveis encontrados no território brasileiro e utilizar nas usinas termoelétricas que operam em regime continuo sempre que possível urânio ou até mesmo carvão procurando sempre minimizar o uso de gás e derivados de petróleo para garantir seu emprego em suas aplicações mais nobres ou até mesmo na exportação.

7.    Os três Brasis

É muito importante que haja o entendimento que o Brasil, do ponto de vista do consumo de eletricidade, é um país com 214 milhões de habitantes e dimensões continentais com diferentes regiões climáticas onde convivem na mesma área geográfica total “três Brasis” com características diferentes:

O “primeiro Brasil” é composto de um arquipélago de “ilhas de concentração habitacional e denso consumo de eletricidade”, constituído de (dados de 2017):

  • Duas grandes metrópoles formadas por São Paulo (12 milhões de habitantes e mais 9 milhões com os municípios próximos e vizinhos) e Rio de Janeiro (6,7 milhões de habitantes e mais 2,5 milhões considerando as adjacências).
  • Cinco cidades com mais de dois milhões de habitantes (Salvador – 2,9 milhões, Brasília – 2,85 milhões, Fortaleza 2,57 milhões, Belo Horizonte – 2,94 milhões e Manaus – 2,2 milhões).
  • Dez cidades com mais de um milhão de habitantes (Curitiba -1,86 milhões, Recife – 1,6 milhões, Porto Alegre – 1,47 milhões, Belém – 1,43 milhões, Goiânia – 1,41 milhões, Guarulhos – 1,31 milhões, Campinas – 1,15 milhões, São Luiz – 1,06 milhões, São Gonçalo – 1,0 milhão e Maceió – 1,0milhão).
  • Vinte e cinco cidades com mais de quinhentos mil habitantes.

Este grande “arquipélago brasileiro de centros de denso consumo de eletricidade” demanda “grandes blocos de fornecimento de energia elétrica” que normalmente são produzidos por fontes de alta densidade de produção de energia que são as hidrelétricas, as termoelétricas convencionais e as térmicas nucleares. Uma boa ilustração desse arquipélago é a visão noturna por satélite mostrada na Figura 3. Nela fica clara (embora literalmente escura) a baixa densidade de consumo de grande parte do território nacional e a desigualdade de distribuição do consumo elétrico. Pode-se, inclusive, localizar praticamente todas as “ilhas” acima mencionadas.

Figura 3: Visão noturna mostrando as “ilhas” de iluminação existentes no Brasil e vizinhanças, podendo-se perceber a faixa iluminada ao longo do trópico de Capricórnio (São Paulo, Rio) e da costa nordestina http://tecnaula.blogspot.com/2011/02/mais-uma-da-serie-um-satelite.html.

Dentro desses grandes centros urbanos de consumo com grande concentração populacional, é possível a utilização apenas complementar da fonte solar (dependendo da insolação do local) considerando que, por sua baixa densidade de produção e intermitência, será sempre uma contribuição percentualmente muito pequena em relação à demanda total de eletricidade destes centros de consumo.

As grandes concentrações populacionais da Zona Franca de Manaus, Santarém e Belém do Pará, embora situadas na Região Amazônica, são servidas pelo sistema elétrico principal e consideradas como pertencentes ao “primeiro Brasil”.

O “segundo Brasil” é constituído pelas cidades médias e pequenas e áreas adjacentes. Este segundo Brasil, embora seja uma “colcha de retalhos” formada de áreas de “media densidade de consumo”, em seu total, consome muita eletricidade. Com menor dificuldade podem aumentar a produção e o consumo das energias alternativas eólicas e solar (dependendo sempre do mapa de ventos e da insolação) pois as redes elétricas existentes são bastante ramificadas e apresentam menor dificuldade de expansão.

O “terceiro Brasil” é composto de grandes áreas, com baixa ou muitíssimo baixa densidade de consumo de eletricidade, situadas nas regiões do sertão do Nordeste e Amazônia. Estas áreas exigem análise e tratamento específico para cada micro região.

As fontes primárias renováveis, eólica e solar, são de baixa densidade na sua “produção” e variam a quantidade de energia produzida durante as vinte quatro horas do dia e com a as condições climáticas, mas têm grande potencial de aplicação no “terceiro Brasil” embora necessitem utilizar o auxilio de estocagem da energia como garantia para assegurar o fornecimento contínuo da energia ao usuário. Quando baterias são utilizadas para estocagem de energia devemos esperar aumento no valor do investimento e também que o descarte das baterias apresente o potencial de grande impacto ambiental.

A região da Bacia Amazônica pode ser interpretada como a composição de áreas com diferentes características: a primeira delas é uma a área quase plana vizinha da calha principal do Rio Amazonas e também as áreas quase planas próximas onde correm o terço final dos rios afluentes. Nessas áreas planas é pouco praticável o aproveitamento hidrelétrico para suprimento de energia elétrica aos pequenos grupamentos humanos existentes. Cada um desses grupamentos humanos nesta área plana, muito sujeita a alagamentos, exige um tratamento específico. Em sua maioria são grupamentos humanos ribeirinhos, mas sem possibilidade econômica de aproveitamentos hidroelétricos locais.

As áreas não planas da Amazônia onde se encontram os dois terços iniciais do comprimento dos rios tributários contando a partir de suas nascentes, podem ser denominadas de regiões inclinadas/serranas: a primeira região inclinada/serrana está localizada a oeste e noroeste da calha principal plana do Rio Amazonas englobando as a áreas próximas as fronteiras da Bolívia, Peru e Colômbia; a segunda área inclinada/serrana é denominada Região Norte da Bacia Amazônica onde correm os rios próximos as divisas da Venezuela, Guiana, Suriname e Guiana Francesa e seus afluentes; a terceira região inclinada/serrana localizada ao sul é próxima ao planalto central brasileiro. As áreas montanhosas constituem a “borda da bacia amazônica”.

As três grandes áreas inclinadas/serranas juntas compreendem a maior percentagem da área da Amazônia Brasileira. Estas três grandes áreas (Figura 4)[4] apresentam grandes oportunidades de aproveitamentos hidroelétricos principalmente “a fio d’água“ que não provocam grandes alagamentos ou desmatamentos e podem com relativa facilidade suprir as necessidades de eletricidade dos pequenos assentamentos humanos existentes e atividades extrativistas.

Mapa Potencial Elétrico, mostrando as bacias, – Eletrobras (Eletrobras, 2017)

Mapa das Elevações do Brasil (topographic.mapa.com)

Figura 4: Mapas dos rios (ao alto), e de elevações (abaixo) assinalando regiões onde é mais viável o aproveitamento hidroelétrico na Amazônia.

Na região semiárida do “Terceiro Brasil” situada no Nordeste Brasileiro a utilização racional da energia solar e eólica pode muito contribuir muito para a melhora econômica da região. Ver Mapa da Figura 5 (CEPEL Eletrobras, 2001).

Figura 5: Atlas do Potencial Eólico Brasileiro  CEPEL/MME

Para os grupamentos humanos isolados, onde economicamente não for viável o “back-up” por redes elétricas do sistema elétrico será necessária a estocagem de energia em baterias ou a utilização de geradores diesel para garantia do suprimento de energia elétrica.

Os grupamentos humanos do “Terceiro Brasil” onde ocasionalmente houver a interligação com as redes do Sistema Integrado Nacional poderão, além do uso das fontes renováveis, utilizar o regime de exportação/importação de energia através de redes inteligentes e utilizando indiretamente o estoque regulatório de água dos reservatórios das hidroelétricas, tornando praticamente desnecessária a estocagem local de energia em baterias para garantir a regularidade do fornecimento de energia elétrica.

Denomina-se “Sistema Integrado Nacional – SIN” o servido pelas grandes linhas de transmissão (Figura 6), as redes de distribuição e seus ramais que atendem ao “Primeiro Brasil”, ”ao Segundo Brasil” e aos centros de consumo por ventura interligados do “Terceiro Brasil”. O SIN tem nas hidroelétricas sua fonte principal de produção de energia. Nota-se na Figura 6 que grande parte do território brasileiro integra esse “Terceiro Brasil” onde o SIN não está presente.

O maior potencial hidrelétrico a ser explorado pelo Brasil se concentra nas áreas da Bacia do Amazonas que não apresentam grandes elevações nem são propícias a reservatórios de grande capacidade. Na concepção atual de desenvolvimento brasileiro, essas usinas se destinam à “exportação” para a região Sudeste-Centro-Oeste SE-CO como já acontece com as usinas instaladas do Rio Madeira e, em grande parte, com a própria energia de Itaipu. Essas usinas chegaram a ser consideradas, para fins de planejamento do SIN, como integrantes da região SE-CO.

Figura 6: Sistema Integrado Nacional – SIN Mapa das Linhas de Transmissão da ONS (ONS)

A introdução de usinas a fio d’água é um grande problema não suficientemente explicitado no nosso planejamento elétrico. No início de 2005, ele foi claramente exposto no artigo “Um Porto de Destino para o Sistema Elétrico Brasileiro” na revista E&E № 49. Na Figura 7, (retirada desse artigo), mostram-se as curvas de energia natural afluente – ENA para as diversas regiões do Brasil que compõem o SIN.  A solução desse problema não é trivial. A regulação sazonal não poderá ser feita com os reservatórios já existentes e o custo da nova energia, com cinco meses do ano com cerca de 10% da capacidade máxima, deverá obrigatoriamente incluir o da energia complementar para o período seco. Esta já é, aliás, a realidade que enfrenta o consumidor que já está pagando um preço diferenciado para cobrir o custo das usinas térmicas que atualmente utilizam óleo ou gás combustível.

Energia Natural Afluente nas Regiões do SIN

Figura 7: A energia natural afluente é governada pela vazão dos rios, na medida que se amplie a participação da Região Norte, com usinas sem reservatórios, a geração elétrica passará a ter forte sazonalidade.  

Soma-se, agora, a oscilação ao longo do dia da energia eólica (atualmente) e futuramente da solar, defasadas da curva diária de consumo. Isso exige das hidroelétricas um excesso de capacidade instalada que encarece seus custos e obriga o uso do estoque regulador.

É primordial a conscientização sobre a importância de considerar a água existente nos reservatórios como estoque regulador de energia. Isso nos conduzirá a utilizar o SIN priorizando a utilização da energia proveniente da região norte nos meses que houver grande caudal e, na medida do possível, estocar água nas hidrelétricas das outras regiões que tenham  capacidade de estocar.

O caudal (vazão) dos rios que alimentam as hidrelétricas (volume de água por segundo) varia ao longo das estações do ano e também com as variações plurianuais dos ciclos hidrológicos. O funcionamento das termoelétricas que consomem biomassa também está sujeito a variações anuais e plurianuais. Torna-se, portanto evidente o conceito de adotar um “estoque regulador de energia” para compensar os períodos em que a energia disponibilizada pelo baixo caudal dos rios e a biomassa disponível seja insuficiente para atender a demanda. O “estoque regulador de energia” é a soma dos estoques de água existentes nos reservatórios das hidroelétricas.

Não existe melhor estoque regulador de energia do que a água nos reservatórios das hidroelétricas. Tal estoque regulador de energia permite atender com simplicidade e presteza as variações na demanda de eletricidade[5].

É desejável também a adoção da estratégia de priorizar no despacho as usinas hidrelétricas à fio d’água e com pequena capacidade de estocar água objetivando sempre maximizar o “estoque regulador de energia” depositado em água nos reservatórios.

As usinas nucleares, se existirem em quantidade suficiente, permitirão ao operador nacional do sistema elétrico gerenciar o sistema de forma que haja sempre o “estoque mínimo necessário regulador de energia” que permita atender as flutuações na demanda de eletricidade mantendo razoável o custo da produção da eletricidade e o baixo impacto ambiental, mesmo nos períodos de baixa pluviosidade. Sabe-se, no entanto, por simulações, que o “cobertor” do estoque nos reservatórios existentes e os possíveis de construir será curto e as térmicas convencionais (óleo, gás natural ou biomassa) deverão ser acionadas para absorver o déficit sazonal ou déficits de chuva plurianuais.  

Parece obvio que a modelagem do sistema elétrico brasileiro para produção, transporte e distribuição de energia e sua comercialização deve ser decidida com base nas peculiaridades brasileiras e não na utilização, sem a devida adaptação de conceitos “importados” do Reino Unido.  A ideologia de liberalização vem, historicamente, experimentando altos e baixos na economia brasileira. Mesmo respeitando a ideologia liberal (atualmente em alta), é necessário o entendimento do sistema brasileiro e não simplesmente arremedar as práticas comerciais de outro país.

Na composição atual do Operador Nacional do Sistema Elétrico participam representantes das empresas geradoras; o ONS pode, portanto, sofrer grande influência dessas empresas em detrimento do melhor interesse dos consumidores. Seria melhor que fosse um órgão de governo composto de funcionários de carreira trabalhando em sistema aberto tipo bolsa de valores com painéis que demonstrassem suas decisões em plenário onde os representantes das empresas pudessem estar presentes, o que agregaria maior transparência ao sistema.

Os leilões da ANEEL – Agencia Nacional de Energia Elétrica, deveriam ser realizados entre os produtores de energia da mesma fonte energética de produção e não uma competição geral entre fontes diferentes como no sistema atual, de inspiração importada. Para cada fonte primária de produção de energia seriam alocadas cotas de fornecimento de energia que comporiam o “mix”, estrategicamente planejado, para garantir o suprimento de eletricidade ao menor preço médio possível e minimizando o impacto ambiental.

Uma “frase de impacto” de um influente assessor governamental à época da implantação do sistema administrativo gerencial econômico do setor elétrico nacional, que havia participado da elaboração do Programa Computacional New Wave para auxilio nas decisões para operação do sistema elétrico, resume, deste modo, a lógica de prioridade no “despacho” das usinas (fontes) produtoras de eletricidade: “não interessa se trata – se de combustível de cocô de galinha ou fusão nuclear o que interessa é o preço da energia”. Esta frase revela a mentalidade financeira e visão curta de quem entende muito pouco de planejamento energético particularmente em se tratando de um sistema elétrico com as características do Sistema Integrado Nacional. Ela sintetiza a miopia de um gerenciamento focando exclusivamente o aspecto contábil em curto prazo e não o comportamento anual e plurianual do sistema objetivando a segurança do fornecimento e o menor preço médio da energia.

No Brasil, a produção de energia para o atendimento continuo da “base de carga” pode ser entendida como sendo a energia produzida pelas hidroelétricas, usando a média anual do caudal mínimo dos rios que as alimentam, adicionando também a média mínima da energia produzida pelas fontes eólica e solar acrescida pela energia produzida pelas usinas termo- elétricas de menor preço (nucleares e a carvão) operando em produção anual continua . Os picos diários de demanda, ou seja, o “segmento de carga” deve ser prioritariamente atendido com o estoque regulador de energia constituído pela água dos reservatórios. As hidroelétricas têm a capacidade de “seguir a carga” com mais facilidade e economicidade do que as usinas térmicas.

As usinas termoelétricas a gás e óleo são construídas com menor valor de investimento, mas funcionam com o combustível de maior preço resultando em alto preço na energia elétrica produzida. Não é aconselhável que essas usinas operem continuamente ao longo do ano. Quando não estão produzindo energia são remuneradas pelo retorno do investimento acrescido do custo operacional nesta condição e lucro. Quando solicitadas a operar pelo Operador Nacional do Sistema recebem o adicional pela energia efetivamente produzida. É assim, mas isto é vantajoso para quem?

Para funcionar produzindo grandes “blocos de energia” em regime continuo na “base de carga” as usinas térmicas que produzem energia a menor preço por Megawatt-hora são as usinas nucleares e as usinas convencionais que usam carvão como combustível.

O Brasil é prodigo em reservas de urânio e detém a tecnologia de todas as etapas do ciclo combustível nuclear desde a mineração e produção do Yellow Cake até a finalização do elemento combustível para ser usado nos reatores, passando assim por todas as etapas do ciclo do combustível nuclear. Nosso País consta da pequena lista de países que dominam a tecnologia de enriquecimento de urânio e dispõe de grandes reservas de urânio. Somente os Estados Unidos, Rússia e Brasil fazem parte desta pequena lista. Todos os demais países ou dispõem da tecnologia do ciclo do combustível nuclear ou são detentoras de reservas de urânio ou nenhuma das duas condições e pagam por isso quando é compensador.

Países sem grandes fontes de combustível como o Japão e a França dificilmente poderão prescindir da utilização da energia nuclear que pode proporcionar estoque plurianual de combustível a preços competitivos e pequeno volume de armazenamento.

Quando for feita a reformulação correta e competente do sistema elétrico brasileiro ficará evidente a necessidade utilização continua em base de carga das usinas núcleo-elétricas ficando para uso apenas ocasional (quando houver necessidade) as usinas termo elétricas convencionais a óleo e gás para completar a produção de energia em poucos meses do ano. Em virtude do grande investimento necessário, o ritmo de construção das usinas nucleares deve ser compatibilizado com as necessidades de fornecimento de energia em base de carga que assegure a existência do estoque regulador de energia adequado.

O completo entendimento do conceito de utilizar o volume de água nos reservatórios das hidrelétricas no sistema elétrico como “estoque regulador de energia” permitirá minimizar o preço médio da energia elétrica, o impacto ambiental e maximizar o uso das fontes energia renováveis menos poluentes.

8.    O Futuro da Energia Nuclear no Brasil

Deve-se ter em vista que o consumo de eletricidade continuará crescendo e que a situação atual é uma única exceção (em 50 anos) em que repetimos em 2018 o consumo de 2014. O estoque máximo de água nos reservatórios se manteve constante desde o inicio na década de 1990. A melhor forma de garantir o estoque regulador de água é considerar como energia de “Base de Carga Hidroelétrica” o caudal mínimo anual dos rios e usar usinas nucleares que são as termoelétricas de menor preço da energia (comparando-se com as demais termoelétricas) para compor a “base de carga de energia elétrica”. As grandes reservas nacionais de urânio estimulam a adoção desta opção.

A Eletronuclear desenvolveu em parceria com a COPPE, Coordenadoria de Pós-Graduação em Engenharia da Universidade Federal do Rio de Janeiro com a ótica da “segunda era nuclear” um importante estudo de localização para construção de centrais nucleares no Brasil. As conclusões desse estudo foram divulgadas sob a forma de palestras pela Empresa. Tal estudo iniciou-se pela seleção dos locais para construção que atendem a uma extensa lista de requisitos (mais de dois mil) priorizando a segurança nuclear. Foram selecionadas quarenta opções de localização que atendem a todos os requisitos.

Cada central núcleoelétrica planejada neste estudo, ao final de sua construção, teria capacidade para comportar seis usinas nucleares tipo PWR com cerca de 1200 Megawatts que seriam construídas sequencial e paulatinamente. É recomendável que o inicio da construção de cada usina da mesma central seria defasado de cerca de um ano e meio do inicio da construção da usina anterior para otimizar a utilização da mão de obra e minimizar o preço total da construção de cada central.

Considera-se aqui que a decisão sobre a possível implantação dessas centrais seria tomada no planejamento energético global, mas os possíveis locais já estariam determinados.

Naquele estudo, foi feita a opção por usinas dotadas reatores PWR modernos com sistema de segurança passiva aprimorada que não necessitam de energia externa para remoção do calor residual produzido pelos núcleos dos reatores após o desligamento com a interrupção da reação nuclear em cadeia.

O conceito de segurança passiva aprimorada prevê que o calor residual de um reator nuclear depois do desligamento súbito, que no primeiro momento, se constitui em cerca de 2,3% da energia que o reator vinha produzindo antes da interrupção da reação nuclear em cadeia e decresce rapidamente ao longo de quarenta e oito horas para valores mínimos seja absorvido sem a necessidade de existir um sistema independente de remoção de calor que utilize energia elétrica como ocorre na maior parte das usinas nucleares atualmente existentes.

 Os modernos reatores PWR são projetados para que a dissipação desta energia residual produzida pelo núcleo do reator seja realizada por circulação natural por convecção da água no circuito primário da usina tornando-se desnecessária a utilização de energia elétrica de fonte não nuclear externa para assegurar a remoção do calor residual.

Ao término da construção, cada Central Nuclear composta de seis usinas teria a potência total instalada de sete mil e duzentos megawatts e podendo operar com o fator de capacidade de 0,9. Cada uma dessas centrais nucleares, quando dotadas das seis usinas, produziria mais energia do que a soma das energias produzidas pelas hidrelétricas da empresa Furnas ou da empresa CHESF- Centrais Hidrelétricas do São Francisco ou a metade da energia anual gerada pela usina de Itaipu.

A retomada do crescimento econômico brasileiro implicará necessariamente em aumento do consumo de eletricidade e tornará ainda mais evidente a necessidade de aumentar utilização de termoelétricas nucleares na ”base de carga” produzindo “grandes blocos de energia”. Caso seja mantida a atual intensa utilização de usinas termoelétricas convencionais a óleo e gás o alto preço da eletricidade atualmente praticado tenderá a aumentar.

Qualquer nova usina nuclear, prevista para ser construída, deverá ser planejada com a ótica da “segunda era nuclear” que prioriza a segurança e entende a energia nuclear não como sendo “a solução” para produção de eletricidade e sim com uma fonte complementar primária de produção de energia com segurança que não pode deixar de participar de um “mix” de fontes produtoras para assegurar a garantia no fornecimento de eletricidade com economicidade e minimizando os impactos ambientais.

O planejamento da geração nuclear tem que ser parte do programa de longo prazo de geração de energia para o Brasil. A periodicidade atual (planos decenais) é inadequada para isso. Em termos de planejamento energético nacional, dez anos constituem um prazo curto. O ciclo de planejamento e construção de uma instalação de grande porte produtora de energia e linha de transmissão associada é da ordem de dez anos de acordo a pratica internacional e frequentemente um empreendimento de porte escapa ao ciclo de dez anos. O lançamento do plano de longo prazo vem sendo sucessivamente adiado pelo Governo Federal.

Para o importante setor nuclear torna-se necessário:

  1. Terminar a construção da Usina Nuclear Angra 3 da Central Nuclear Álvaro Alberto em Angra do Reis.
  2. Decidir o local da construção de uma ou até mesmo duas centrais nucleares, com a possível brevidade, selecionando sua localização entre as quarenta localizações recomendadas nos estudos realizados pela COPPE e a Eletronuclear que sejam mais convenientes para atender as necessidades do Sistema Integrado Nacional. Com isto, não se perderia o conhecimento acumulado na área por técnicos altamente especializados.
  3. Decidir, a programação da construção das usinas dentro de um planejamento global, idealmente, com o início da construção da primeira central até 2022. É possível custear, ao menos parcialmente, a construção das usinas nucleares com a “venda futura de energia” garantida por acordos de governo, porém mantendo a propriedade e responsabilidade da estatal brasileira pela propriedade, operação e descomissionamento das usinas nucleares[6].
  4. Construir a instalação de armazenamento intermediaria de rejeitos da Central Nuclear Álvaro Alberto e o módulo de demonstração experimental da Instalação para estocagem, em longo prazo, de combustível nuclear queimado. Este novo conceito de estocagem concebido na Eletronuclear permite estocar por mais de quinhentos anos todo o combustível nuclear utilizado em todas as centrais nucleares brasileiras com total segurança e baixo preço, usando a remoção do calor residual por circulação natural e permitindo monitoramento seguro, simples, constante e de baixo custo. Esta solução é tecnologicamente muito mais avançada do que o antigo conceito de deposição dos rejeitos nucleares em grandes profundidades em locais teoricamente considerados estáveis que foi preconizado durante a “primeira era nuclear” e que na realidade significa “colocar o lixo debaixo do tapete”, embora essa concepção ainda conte com grande número de adeptos.
  5. Aprimorar a operação e ampliar as instalações da INB – Indústrias Nucleares do Brasil de forma que em um prazo máximo de dez anos sejam atendidas as necessidades de combustível nuclear para alimentar as usinas nucleares que estiverem em funcionamento no País.
  6. Ampliar a responsabilidade da INB para ser encarregada do transporte e armazenamento do combustível nuclear queimado dos reatores e posteriormente, quando for economicamente recomendável para o Brasil, reprocessar o combustível nuclear queimado[7], e manter a estocagem monitorada dos rejeitos usando o provavelmente as mesmas instalações construídas em região adequada para o armazenamento intermediário, no longo prazo, do combustível nuclear queimado.
  7. A CNEN – Comissão Nacional de Energia Nuclear completará a construção do RMB – Reator de Multipropósito Brasileiro em Iperó, São Paulo, para atender as necessidades nacionais de radioisótopos, testes de materiais e combustíveis e experiências conjuntas com centros de pesquisa e universidades.
  8. Ampliar a prospecção de Urânio em território nacional.
  9. Incluir nas responsabilidades da INB a comercialização e gestão do estoque de urânio para atender as necessidades nacionais. A INB passaria a ter a atribuição de adquirir no Brasil a preços do mercado internacional em longo prazo o Yellow Cake que as mineradoras que operam no país decidirem produzir a partir do conteúdo de urânio nos minérios que exportam.
  10. Dar prosseguimento ao programa de submarinos com propulsão nuclear e, consequentemente, a todas as atividades em desenvolvimento em Aramar.

Bibliografia

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Alvin, Weinberg M. 1997. The First Nuclear Era: The Life and Times of a Technological Fixer Hardcover. s.l. : American Institute of Physics; 1994 edition , 1997. ISBN-13: 978-15639635.

Arms Control Association. 2018. Nuclear Weapons: Who Has What at a Glance. [Online] june de 2018. https://www.armscontrol.org/factsheets/Nuclearweaponswhohaswhat.

Atomic Archive. Timeline of the Nuclear Age. Nuclear Pathways. [Online] http://www.atomicarchive.com/Timeline/Time1930.shtml.

  1. 2018. BP Satistical Review of World Energy, 67th Edition. s.l. : BP, 2018.

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  1. 1971. United Nations, General Assembly – Twenty-sixth Session. Restoration of the lawful rights of the Peoples’s Republic of China in United Nations. [Online] 25 de October de 1971. http://www.un.org/en/ga/search/view_doc.asp?symbol=A/RES/2758(XXVI).

[1] 1938 (Dezembro) Fermi recebe o prêmio Nobel pela descoberta de “elementos transurânicos”, na verdade fissão de urânio e parte para os EUA. (22 deDezembro ) Otto Hahn envia texto para Lise Meiner com resultados experimentais que são interpretados por Meiner e seu sobrinho Otto Frish como fissão nuclear.  
1939 (6 de janeiro) Hahn e seu assistente Fritz Strassmann publicam seus resultados; (11 de Fevereiro)  Meitner and Frisch publicam a interpretação teórica dos resultados de Hahn-Strassmann como fissão nuclear .

[2] União Soviética 1949, Reino Unido 1952, França 1960 e China em 1964.

[3] Cerca de 14.570 ogivas sendo que 13.400 em poder de Rússia e EUA, conforme avaliação da Arms Control Association https://www.armscontrol.org/factsheets/Nuclearweaponswhohaswhat

[4] Nota: Vale a pena acessar os mapas mostrados na Figura 3. Os mapas permitem o zoom para examinar detalhes. É possível, no segundo mapa, ler a altitude do famoso encontro das águas dos rios Negro e Solimões, perto de Manaus. Onde a altitude é de 7m em relação ao mar. Isto faz com que o aproveitamento hidroelétrico do Rio Amazonas propriamente dito, formado deste encontro das águas, seja praticamente inviável para centrais de porte.

[5] Em alguns países do mundo são usadas usinas reversíveis, sendo a água de um reservatório bombeada para reservatórios a montante para armazenar energia excedente de outras usinas. Isto exige um considerável investimento que mesmo assim pode ser viável. Im considerável investimento que o Brasil ainda consegue evitar, mas pode ser uma alternativa às baterias para “armazenar vento” ou energia fotovoltaica.

[6] Na Bélgica, em uma mesma central existem usinas de diferentes proprietários o que nos sugere diferentes financiadores compradores de blocos de energia futura a ser produzida em uma mesma central nuclear brasileira. O financiamento da construção de usinas nucleares com o pagamento com a energia a ser produzida implicará na adoção de legislação que garanta a compra, o preço futuro da energia, sua correção inflacionaria e garantia cambial.

[7] Essa posição coincide com a adotada pela Política Nuclear Brasileira (Decreto Nº 9600 de 05/12/2018) e tem o significado de que o Brasil considera a energia contida no combustível utilizado aproveitável no futuro e baliza a definição do tipo de armazenamento a ser adotado que é muito importante na fase atual.

Atualização do Padrão Técnico e de Segurança de Angra 3


Economia e Energia – E&E    Nº 98,  janeiro a março 2018

ISSN 1518-2932

Relatório Técnico Externo:

Atualização do Padrão Técnico e de Segurança do Projeto de Angra 3

Sumário executivo de documento preparado pela Superintendência de Engenharia de Projetos – SET da Eletronuclear

Responsável: Jorge Mendes
Gerente de Sistemas e
Instrumentação do Reator

Resumo:

A Eletronuclear divulgou em fevereiro deste ano um estudo intitulado “Atualização do Padrão Técnico e de Segurança do Projeto de Angra 3” (finalizado em 2017) sobre as atualizações técnicas e de segurança acrescentadas ao projeto de Angra 3 com relação à segurança do empreendimento. Apesar de Angra 3 ter sido planejada nos anos 1970, ao longo do tempo, mudanças foram feitas na concepção original para incorporar modernizações tecnológicas, a experiência operacional do setor nuclear e as exigências das normas nacionais e internacionais, que foram revisadas no período. Isto permite que Angra 3 mantenha a segurança e o desempenho adequados aos padrões internacionais atuais. Apresenta-se aqui o sumário executivo, o Relatório Completo está disponível no site da Eletronuclear[1].

Palavras Chave:

Eletronuclear, Angra 3, programa nuclear, geração de eletricidade, crise financeira, segurança, normas internacionais, desempenho de usina nuclear.

1. Introdução

Este Sumário Executivo apresenta os pontos principais do processo utilizado pela Eletronuclear para fazer com que o projeto da usina Angra 3 mantenha a segurança e o desempenho adequados aos padrões atuais, são os seguintes:

O tipo de reator adotado em Angra 3, como nas demais unidades da CNAAA, o PWR – Reator a Água Pressurizada, permanece como o modelo internacionalmente predominante (277 de 438 reatores), tanto entre as unidades em operação como nas novas unidades em construção (50 de 60 reatores).

No processo evolutivo da tecnologia dos sistemas de segurança, 42 das 50 usinas em construção utilizando reatores PWR dispõe de sistemas de segurança de concepção similar aos de Angra 3 e apenas 8 têm sua segurança baseada extensivamente em sistemas passivos.

A usina de Angra 3 pertence ao padrão PWR 1.300 MW da Siemens, que se caracteriza por um elevado padrão de segurança e desempenho operacional, em função de suas características de projeto, dentre elas, o elevado grau de automação e o nível de redundância e diversidade adotados no projeto dos sistemas de segurança, e dos elevados requisitos de qualidade aplicados ao projeto e à fabricação dos equipamentos.

O projeto de Angra 3 utiliza Angra 2 como usina de referência, incorporando todas as modificações nela introduzidas com o objetivo de melhoria de segurança e desempenho. Um empreendimento testado e comprovado com altos índices de segurança e performance.

O projeto de Angra 3 incorpora as lições aprendidas com os acidentes já verificados em usinas nucleares de potência, a experiência internacional das últimas décadas, as alterações na base normativa nacional e internacional, além da evolução da base normativa e tecnológica de componentes e sistemas como se resume nos itens abaixo.

2. Atualização da Base Normativa

O projeto de Angra 3 foi atualizado com base nas normas alemãs válidas em 2003 quando foi solicitada a licença de construção ao órgão licenciador CNEN. No caso de componentes do circuito primário, já fornecidos com base em normas anteriores, avaliou-se que as versões mais recentes das normas não traziam alterações relevantes, permitindo validar a adequação dos mesmos para suas respectivas funções. O alto grau de requisitos técnicos das normas alemãs utilizadas em Angra 2 e 3, garante um padrão de segurança de alto nível. A base normativa e os critérios de projeto foram submetidos à CNEN, que os avaliou e concedeu a licença de construção para Angra 3 em 2010.

3. Atualização da Proteção contra Eventos Externos

No projeto de Angra 3, todos os carregamentos atuantes sobre as estruturas foram revisados e atualizados, em especial, no que diz respeito àqueles gerados pelos eventos externos. Foi realizado um estudo sobre a ocorrência de ventos extremos, com um levantamento dos registros de tornados no Brasil e adotou-se um tornado de categoria 3 na escala Fujita, correspondente aos maiores eventos já registrados no país. Foram realizadas análises detalhadas de ameaça sísmica em bases probabilísticas, por um grupo de consultores formado por geólogos, sismólogos e engenheiros estruturais renomados do Brasil e do exterior, utilizando-se a metodologia mais avançada. Estes resultados já estão sendo utilizados na Análise Probabilística de Segurança (APS) das usinas. Os primeiros resultados indicam que o risco sísmico das usinas está em níveis compatíveis com os índices de segurança internacionais. Além disso, a APS permitirá investigar os pontos mais críticos nos quais será possível atuar para aumentar ainda mais as margens de segurança já existentes.

4. Atualização de Sistemas e Equipamentos

Angra 3 terá equipamentos de Instrumentação e Controle digital no mesmo padrão dos projetos mais recentes de usinas nucleares, que deve contribuir para um melhor desempenho e segurança da planta. A sala de controle de Angra 3 é projetada com tecnologia digital e reflete o estado da arte em projetos de sala de controle. As atuações de componentes e monitoração de processos e alarmes são realizadas através de telas digitais em computadores. Em caso de perda da interface homem/máquina digital, estará ainda disponível um painel de segurança convencional para a operação da usina.

O aumento da capacidade de geração de Angra 3 (de 1350 para 1405 MWe) e a adequação às novas exigências das normas, inclui um novo disjuntor do gerador elétrico, equipamento fundamental para a conexão e desconexão com segurança da Usina ao sistema elétrico interligado nacional, considerando os 1405 MWe previstos.

O conjunto turbo-gerador foi fabricado em meados da década de 1980 pelas empresas SIEMENS AG/KWU tanto para Angra 2 como para Angra 3. Para atender ao aumento de potência de Angra 3, estão sendo promovidas mudanças indicadas pelo fabricante, incluindo a instalação de um Sistema Digital de Controle e Proteção da Turbina.

5. Atualização devido a experiência internacional

Com base nas lições aprendidas com as experiências resultantes dos acidentes relevantes acontecidos em outras usinas nucleares, o impacto em Angra 2 e 3 foi o seguinte:

  • O projeto das usinas alemãs, referência para Angra 2 e 3, foi verificado conforme a experiência e recomendações resultantes do acidente de Three Mile Island – TMI 2 (1979, EUA) e as modificações recomendadas pelo órgão licenciador US-NRC (United States – Nuclear Regulatory Commission) já haviam sido implementadas em Angra 2. Em 2010, para a licença de construção de Angra 3, foi emitido um documento para o órgão licenciador CNEN, registrando a verificação formal da aplicação de todas as recomendações da US-NRC devidas ao acidente de TMI-2.
  • Devido à experiência com o acidente de Chernobyl (1986, Ucrânia), as recomendações pertinentes foram consideradas em Angra 2 e 3, apesar da tecnologia de Chernobyl ser diferente da tecnologia de Angra 2 e 3.
  • Devido ao acidente de Fukushima Daiichi (2011, Japão), os princípios básicos de projeto, que levaram ao acidente, foram reavaliados para Angra 2 e 3 pela equipe técnica da Eletronuclear. Este trabalho é registrado em relatórios periódicos enviados e acompanhados pela CNEN. Os relatórios apresentam os resultados dos estudos e as modificações efetuadas nas usinas devidas ao acidente de Fukushima.
  • Eventos significantes ocorridos em usinas nucleares são analisados para Angra 2 e 3 através das informações obtidas por meio de convênios existentes entre a Eletronuclear e diversos órgãos como WANO (World Association of Nuclear Operators), IAEA (International Atomic Energy Agency), EPRI (Electric Power Research Institute) que nos pemitem demonstrar a adequação da segurança de Angra 2 e 3.

6. Atualização para acidentes severos

Em relação ao projeto robusto para fazer frente a eventos além da base de projeto incluindo acidentes severos com fusão do núcleo, foram introduzidas, ou já estão planejadas modificações em Angra 2, sendo introduzidas modificações no projeto de Angra 3. Por exemplo, foram projetados recombinadores passivos de Hidrogênio, dimensionados para a concentração máxima admissível de Hidrogênio no interior do edifício da Contenção do reator, de tal maneira que explosões possam ser evitadas. Adicionalmente será instalado um sistema de alívio filtrado da contenção que impede que a pressão interna supere a base de projeto. Todas as provisões para eventos além da base de projeto introduzidas em Angra 3, são similares às provisões incluídas em projetos atuais de usinas nucleares em construção.

7. Conclusões

O desempenho operacional de Angra 2 é compatível com a tecnologia atual e com os melhores desempenhos das usinas em operação. Angra 3 terá um desempenho similar e, em alguns casos superior, devido às melhorias da instrumentação e controle digital e de novos equipamentos. As melhorias introduzidas em Angra 3, para possíveis acidentes além da base de projeto, são similares às soluções implantadas recentemente nas usinas existentes e em projetos atuais de concepção similar a Angra 3. Estas características do projeto mostram que Angra 3 será uma usina moderna e com um padrão de segurança compatível com as usinas atualmente em construção.


Neste Número:

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Relatório Completo:

[1] http://www.eletronuclear.gov.br/LinkClick.aspx?fileticket=tcCBiUp1yAw%3D&tabid=69


A Continuidade de Angra 3


Economia e Energia – E&E    Nº 98,  janeiro a março 2018

ISSN 1518-2932

A CONTINUIDADE DE ANGRA 3

Opinião:

Mais uma vez coloca-se a questão sobre dar prosseguimento ou não de Angra 3. Tem sido lembrado que Angra 3 é importante para o futuro da energia nuclear no Brasil. Uma boa contribuição para o debate foi dada pelo professor Aquilino Senra em recente artigo “Desmonte do setor nuclear exclui Brasil do jogo no mercado global”. Justamente porque Angra 3 tem essa relevância, deve-se cuidar que o arranjo institucional e financeiro, a ser encontrado, não sacrifique esse futuro.

Várias questões estão sendo (re) colocadas, a predominante é sobre sua viabilidade econômica. Como primeiro passo, é útil admitir que, aplicando juros de 7% ou 5% ao ano, não é possível pagar o custo total histórico de uma obra, com duração superior a 40 anos[1]. Por isso, as decisões sobre reiniciar as obras de Angra 2 (1996) e Angra 3 (2001 a 2007) foram tomadas baseadas em seu custo incremental. A novidade é que, desta vez, os custos de parar Angra 3, após a interrupção de 2015, já estão atropelando a Eletronuclear e terão que ser levados em conta. Análises econômicas foram realizadas para a decisão anterior de retomada. Como houve um considerável avanço na obra, é muito provável que a resposta continue positiva apesar do custo maior constatado.

Quanto às necessidades energéticas vale lembrar que Angra 2 foi terminada justo quando se configurou o “apagão” de 2001. A situação dos reservatórios nos últimos anos mostrou que estivemos muito perto de uma outra crise de abastecimento e que a energia firme de Angra é necessária. Não será talvez surpresa que Angra 3 venha, justamente, ajudar a remediar o próximo apagão.

Outra questão fundamental é o da segurança da energia nuclear no que se refere a possíveis acidentes nas usinas de geração de energia elétrica. É um assunto cuja resposta definitiva pertence ao futuro.

Depois de muita discussão sobre o acidente de Fukushima, a resposta pragmática dos países a essa questão é indicada por sua atitude frente a energia nuclear. De uma maneira esquemática, o uso para geração nuclear elétrica continua crescendo em países emergentes (China, Rússia e índia principalmente), outros (França, EUA e Reino Unido) estão retomando lentamente a construção de usinas (UK ainda não iniciou a construão), com grandes problemas econômicos que não diferem muito dos de Angra 3, e, finalmente, no grupo de países (Itália, Alemanha e Japão), cada país (nessa ordem), ou já abandonou, ou está em processo de abandonar, ou está com sérias dúvidas sobre a continuidade da geração nuclear elétrica. É interessante observar que todos esses grandes países, inclusive o último grupo (de perdedores da Segunda Guerra Mundial), não abriram mão de possuir, de compartir ou desfrutar da proteção das armas nucleares para sua defesa[2].

Outra questão importante é se Angra 3, considerando seu projeto (anos setenta) e alguns equipamentos (anos oitenta) não estaria obsoleta ou insegura. É a questão abordada no abrangente relatório “Atualização do Padrão Técnico e de Segurança do Projeto de Angra 3” divulgado pela Eletronuclear recentemente e cujo sumário está aqui publicado. O trabalho confronta as exigências técnicas e de segurança, expressa em padrões e normas adaptadas às novas exigências, com a realidade de Angra 3 e aponta as modificações realizadas para atender essas exigências que evoluíram em função da experiência mundial acumulada, incluindo os acidentes.

Quanto aos equipamentos, fundamentalmente deve-se considerar que os adquiridos são equipamentos estruturais, de muito lenta obsolescência, ou que mereceram cuidadoso esquema de manutenção, orientado pelo fabricante e ainda receberam algum tipo de atualização como é o caso do turbogerador. Outros equipamentos, como a mesa de controle e os equipamentos eletrônicos, ainda não haviam sido adquiridos e são atuais.


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[1] Início das obras civis em 1984, interrompidas em 1986, reiniciadas em 2007 e novamente interrompidas em 2015, primeiros equipamentos encomendados em 1975.

[2] Nesse resumo, faltam as duas Coreias: ambas consideram, a seu modo, a energia nuclear fundamental (geração ou bombas). Nas potências nucleares, uma corrida trilionária de modernização das armas nucleares está em curso; isso responde a questão (não colocada) da importância estratégica da energia nuclear.

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É a Contabilidade, Estúpido! | Crise na Geração NuclearA Continuidade de Angra 3 | Atualização do Padrão Técnico e de Segurança do Projeto de Angra 3  | O Poder da Contabilidade | E&E 98 Tudo |


E&E 98 Tudo


Economia e Energia – E&E    Nº 98,  janeiro a março 2018

ISSN 1518-2932

Palavra do Editor

É A CONTABILIDADE, ESTÚPIDO!

Foi uma surpresa constatar que convergiam os dois principais temas deste número da E&E: a Crise na Eletronuclear e o Poder da Contabilidade. Isso inspirou o título desse editorial que busca chamar a atenção da importância da Contabilidade. Parafraseamos o “É a Economia, estúpido!” do publicitário James Carville, cuja contundente frase foi considerada a chave da surpreendente vitória do até então pouco conhecido Governador de Arkansas, Bill Clinton, na eleição americana de 1992 sobre o Presidente Bush (pai) que vinha simplesmente de vitória na Guerra do Iraque e do desmonte da União Soviética, consagrado pela queda do muro de Berlin.  

A construção de Angra 3 colocou a Eletronuclear, proprietária de duas usinas em funcionamento, em situação de patrimônio negativo já em 2015. Isso aconteceu porque a tarifa futura negociada não era suficiente para cobrir os custos da usina. O patrimônio negativo resulta do impairment que é calculado projetando o déficit tarifário por toda a vida da usina.  

Esta situação (que ainda persiste), aliada às intervenções da Justiça e Polícia Federal no âmbito das operações Lava-Jato, levaram a interrupção das obras em 2015. Essa interrupção gerou o vencimento de compromissos com os bancos financiadores de 55 milhões de reais que absorveriam cerca de 20% de sua receita, advinda da geração de Angra 1 e 2, e inviabilizariam (ou estão inviabilizando) a continuidade da geração elétrica nuclear de forma segura. Chamamos a atenção neste número para essa grave Crise na Eletronuclear 

O Brasil encontra-se mais uma vez em uma encruzilhada em relação à Angra 3. No pressuposto de que se resolva o problema operacional da Eletronuclear, caberá tomar uma decisão sensata sobre terminar ou não Angra 3. Alguma decisão talvez ainda seja possível nesse ano eleitoral de 2018 e o fórum de decisão seria o Conselho Nacional de Política Energética – CNPE. 

Um aspecto fundamental nessa decisão é responder a questão se essa usina, por seu longo período de construção, não estaria defasada do ponto de vista técnico e de segurança. A questão não é trivial uma vez que existem equipamentos fabricados há 30 anos e projetados há 40 anos. Um bom estudo sobre a questão foi realizado pela Eletronuclear; seu resumo executivo é publicado nesta edição.  

Apresentamos também mais um artigo, O Poder da Contabilidade que faz parte da série de problemas levantados no Número 96 dessa revista. Chama-se a atenção para o poder dos órgãos de arrecadação sobre a economia das empresas. Este poder é exercido via emissão de normas contábeis que empresas (e também cidadãos) devem cumprir e é apoiado por um arsenal informático crescente que amplia seu alcance. A Lei 11.638 de 2007, que modificou a Lei 6.385 de 1976, facilitou o processo de assimilação das normas internacionais. No caso das empresas de capital aberto isto já está sendo feito via Comissão de Valores Mobiliários – CVM. Isto desloca parte do poder sobre a contabilidade das empresas para os órgãos internacionais. 

As normas que regem a contabilidade do País (Contabilidade Nacional) e do comércio exterior (Balanço de Pagamentos) já são diretamente derivadas das internacionais. No primeiro caso, o processo de elaboração e discussão é liderado pelo Banco Mundial e, no segundo, as normas são estabelecidas pelo FMI. A internacionalização das normas aplicadas na contabilidade empresarial brasileira facilita o objetivo de estabelecer um conjunto normativo contábil para todos os países.  

Nas análises realizadas nesta revista (E&E Nos 96 e 97), foi mostrado como as normas contábeis internacionais adotadas no País já apresentam impactos sobre a contabilidade nacional e sobre o balanço de pagamentos de centenas de bilhões de dólares. O exame da crise da Eletronuclear mostrou que sua origem está vinculada a uma norma internacional contábil de recente introdução no Brasil. O valor do impairment é cerca de 9 bilhões de reais negativos, cancela o valor de Angra 1 e 2. 

Com efeito, a apuração do impairment (que deu origem à paralisação de Angra 3) é prevista na norma internacional IAS 36 (de 2004); o Comitê de Pronunciamentos Contábeis – CPC “traduziu” a norma internacional para os padrões locais em seu primeiro pronunciamento CPC 01 (em 06/08/2010). A CVM (Deliberação 639 de 07/10/2010) aprovou e tornou obrigatória a adoção do CPC 01 para as companhias de capital aberto. Igualmente a ANEEL (na Resolução normativa 605 de 19/02/2014 de aprovação de Manual de Contabilidade do Setor Elétrico – MCSE) adotou o CPC 01. Uma inesperada relação surgiu entre os dois temas abordados que leva a nos dizer:
É a Contabilidade, estúpido!
  


Sumário


Economia e Energia – E&E    Nº 98,  janeiro a março 2018

ISSN 1518-2932

Artigo:                

Crise Econômico-Financeira na Geração Nuclear

José Israel Vargas,
Carlos Feu Alvim e
Olga Mafra

 Resumo

A situação financeira da Eletronuclear já vinha apresentando problemas, desde 2015, com a crescente transferência de responsabilidade pelo investimento na construção de Angra 3. Este conjunto inicial de eventos provocaria virtual insustentabilidade da empresa no ano de 2015. No presente o Brasil encontra-se novamente em uma encruzilhada em relação à Angra 3A interrupção das obras em 2015 gerou o vencimento de compromissos com os bancos financiadores em valores de 55 milhões de R$ que absorveriam cerca de 20% de sua receita, advinda da geração de Angra 1 e 2. A desestruturação do Setor Nuclear Brasileiro, considerado estratégico para a Segurança Nacional, terá graves implicações na estabilidade de atividades ligadas à defesa nacional. Também terá fortes impactos na independência e sustentabilidade de todo o complexo nuclear, do qual depende não só abastecimento de energia da Região Sudeste, mas também a estabilidade do Sistema Elétrico Interligado. 

Palavras Chave:

Eletronuclear, programa nuclear, geração de eletricidade, Central de Angra, Angra 3, INB, crise financeira, segurança do sistema, Segurança Nacional. 

Resumo da situação da Geração Elétrica Nuclear no Brasil em dezembro de 2017

Em 13 de Novembro do ano passado as direções da Eletronuclear e da INB reuniram-se com o Presidente da Câmara, deputado Rodrigo Maia, para chamar a atenção sobre a grave situação econômico-financeira da área da geração de energia eletronuclear (1). O Diretor Presidente da Eletronuclear, Leonam Guimarães confirma que esta situação é fundamentalmente devida aos dispêndios induzidos pelo estado em que se encontra o projeto de construção de Angra 3. 

Os gastos com a interrupção de Angra 3 absorvem as tarifas geradas por Angra 1 e 2, já reduzidas em valor real de 14%, pela ação ANEEL. Embora os recursos gerados sejam suficientes para manter as duas usinas, em pleno funcionamento, a inadimplência das responsáveis contratuais pela construção de Angra 3 quais sejam a Eletrobras e os financiamentos dos bancos BNDES e Caixa Econômica Federal, com a transferência dos encargos assumidos, tornou insustentável a situação da empresa. 

De fato o não cumprimento pela Eletrobrás dos encargos, tanto o inicialmente acordado (de 20%), como o ampliado posteriormente (de 40%), bem como daqueles de responsabilidade dos referidos bancos, em decorrência da mencionada interrupção do projeto Angra 3, agravou-se mais ainda pelo início de cobrança pelos bancos de juros sobre os passados investimentos, atualmente em 30 milhões de reais mensais (do BNDES) e que alcançariam mensalmente 55 milhões de reais com a prevista incorporação dos pagamentos devidos à CEF. 

A situação financeira da Eletronuclear já vinha apresentando problemas, desde 2015, com a crescente transferência de responsabilidade pelo investimento na construção de Angra 3. Este conjunto inicial de eventos provocara virtual insustentabilidade da empresa no ano de 2015. Com efeito, a declaração de impairment (redução do valor de recuperação de um ativo) de 3,4 bilhões de reais reduziu a zero, naquele ano, o patrimônio líquido da Empresa. Além disso, a impossibilidade da controladora Eletrobrás de aportar, como apontado acima, recursos próprios conforme previsto em contrato tanto inicial como o posterior já tornara o empreendimento problemático. A situação do impairment  poderia ter sido, em princípio, resolvida com a repactuação da tarifa de Angra 3, persistindo, no entanto, o problema do aporte de recursos próprios cujo equacionamento estava em estudo. 

Isso se tornou politicamente inviável quando as operações da Polícia Federal e Justiça Brasileira com as operações “Lava Jato” e “Pripyat” atingiram membros da alta direção da Empresa. 

Foi nesse quadro que se decidiu suspender a construção de Angra 3, no entanto não motivada diretamente por essas operações, mas, pela incapacidade política de equacionar os problemas já existentes. 

A paralisação da construção de Angra 3 (2) agravou a situação como esclarece o Presidente da Eletrobras, Wilson Ferreira Jr., fazendo cessar o fluxo financeiro dos empréstimos assumidos e naturalmente, acrescentadas despesas com o adiantamento do vencimento de juros já referidos e exorbitantes na conjuntura, que seriam normalmente pagos após a conclusão do empreendimento, pela geração de recursos resultantes do funcionamento de Angra 3. 

Além disto, a Empresa deve arcar com a manutenção do canteiro de obras que é uma obrigação que envolve a preservação do investimento já realizado com a construção de Angra 3 e os requerimentos de segurança das centrais em operação. Com a paralisação das obras, foram geradas obrigações vencidas com fornecedores, que atualmente alcançam 50 milhões de reais. 

A crise atual envolve, em virtude dos encargos referidos, a própria produção de combustível nuclear pela empresa Indústrias Nucleares do Brasil – INB com a qual a Eletronuclear já reduziu seus compromissos de pagamento de combustíveis, a partir de outubro deste ano, face à previsível  indisponibilidade de recursos. A situação da INB ficou crítica, além disto, em virtude dos cortes lineares realizados no orçamento limitarem seus gastos anuais, afetando, inclusive, a utilização dos recursos próprios gerados pela venda de combustíveis, mesmo os decorrentes de exportação. 

Concretamente, embora o combustível para 2018 já esteja assegurado (3) (4), a ser mantida a atual situação, a energia elétrica de origem nuclear poderia ter seu fornecimento suspenso a partir de 2019. Este atraso pode configurar-se irreversível pela antecedência necessária para a fabricação do combustível. 

A produção de energia nuclear é um assunto da mais alta sensibilidade internacional e não pode estar sujeita a restrições que limitem a segurança do sistema, inclusive no que concerne a segurança da população. Ressalte-se enfaticamente que problemas de fluxo de recursos nessa indústria podem provocar tragédias humanas e ambientais de consequências imprevisíveis. O Brasil corre o risco de vir a violar (ou já estar fazendo) o Protocolo da Convenção de Segurança Nuclear da qual é signatário e onde se compromete, entre outras obrigações a: 

  • Assegurar que os recursos financeiros adequados estejam disponíveis para apoiar a segurança de cada instalação nuclear ao longo de sua vida; 
  • Assegurar que número suficiente de pessoal qualificado esteja disponível, para todas as atividades relacionadas com segurança para cada instalação, ao longo de sua vida. 

A nomeação e o afastamento de sucessivos diretores-presidentes interinos claramente não ajudou o processo de recuperação da Empresa. A clara exposição da grave situação que vem fazendo, em diversos fora, o atual diretor-presidente Leonam Guimaraes e sua recente efetivação no cargo (5) criaram as condições para que o Governo Federal assuma sua responsabilidade para a urgente solução do problema. 

Não fazê-lo implica desestruturar o estratégico Setor Nuclear brasileiro resultante de mais de 60 anos de esforços, com fortes impactos na Segurança Nacional, na independência e sustentabilidade de todo o complexo nuclear do qual depende não só abastecimento de energia da Região Sudeste, mas a estabilidade do Sistema Elétrico Interligado, com graves implicações na estabilidade de atividades ligadas à defesa nacional, inclusive no que diz respeito os compromissos assumidos em Acordos Internacionais, e à saúde da população brasileira. 

Claramente é necessário equacionar separadamente a situação de Angra 3, já que praticamente a totalidade dos agentes envolvidos está diretamente vinculada ao Governo Federal. Isso permitiria dar continuidade a geração segura de energia nuclear através das usinas Angra 1 e 2 com os recursos provenientes da tarifa assim auferidas. 

O Setor Nuclear necessita de urgente reestruturação que o fortaleça para garantir o cumprimento das atividades de sua responsabilidade, inclusive constitucionais. A geração de energia nuclear elétrica é seu principal eixo econômico e esta reestruturação deve levar em conta este amplo papel. 

Recorde-se ainda que o Setor Nuclear, em todos os países onde essa atividade é relevante, vincula-se diretamente à alta esfera do Governo Central que assume também toda responsabilidade por sua estratégia. 

No Brasil, a responsabilidade pela proteção das atividades do Programa Nuclear, bem como, da Secretaria Executiva do Comitê Interministerial que cuida do assunto está concentrada no Gabinete de Segurança Institucional, na Presidência da República. 

Pode-se resumir assim as medidas urgentes necessárias: 

  • Equacionar separadamente a situação de Angra 3 da produção de energia por Angra 1 e 2 possibilitando a utilização integral da tarifa à destinação prevista, 
  • Complementar o orçamento da INB de maneira a possibilitar, pelo menos, o uso dos recursos da venda de combustível para assegurar a geração nuclear em 2019, 
  • Cuidar para que sejam mantidas as condições técnicas, pessoais e financeiras para operação com mínimo risco das centrais existentes e do canteiro de obras, 
  • Adicionalmente é necessário tomar medidas para equacionar problemas emergentes, 
  • Encaminhar a decisão sobre o prosseguimento da construção de Angra 3 através de decisão do Conselho Nacional de Política Energética CNPE, 
  • Iniciar a reestruturação do Setor Nuclear para impedir sua deterioração administrativa e técnica e aproveitar suas potencialidades e oportunidades comerciais, facilitando a participação do setor privado e a operação dos organismos do Estado nas tarefas de sua responsabilidade, 
  • Reunir os elementos para a formulação de uma política nuclear de longo prazo, coerente com a importância estratégica dos assuntos do Setor. 

Bibliografia

  1. Petronotícias. A grave crise da Eletronuclear e INB é levada ao Presidente da Câmara que promete ajuda para uma solução . Petronotícias. [Online] 13 de novembro de 2017. https://petronoticias.com.br/archives/105361.
  2. Pamplona, Nicola. Parada, Angra 3 dá prejuízo adicional de R$ 30 milhões por mês à Eletrobras. UOl Folha de São Paulo. [Online] 14 de novembro de 2017. http://www1.folha.uol.com.br/mercado/2017/11/1935328-parada-angra-3-da-prejuizo-adicional-de-r-30-milhoes-por-mes-a-eletrobras.shtml.
  3. Petronoticias. INB recebe aporte de R$ 190 milhões que garante o abastecimento de combustível para Angra 1 e Angra 2. Petronoticias. [Online] 04 de janeiro de 2018. https://petronoticias.com.br/archives/107162.
  4. Luna, Denise. Governo faz aporte de R$ 190 mi para garantir abastecimento de usinas de Angra em 2018. Estadão. [Online] 04 de janeiro de 2018. http://economia.estadao.com.br/noticias/geral,governo-faz-aporte-de-r-190-mi-para-garantir-abastecimento-de-usinas-de-angra-em-2018,70002138572 .
  5. Petronotícias. Governo acaba a interinidade e confirma Leonam Guimarães como presidente da Eletronuclear. Petronoticias.[Online] dezembro de 20 de 2017. https://petronoticias.com.br/archives/106678.

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ISSN 1518-2932

Opinião:

A Continuidade de Angra 3

Mais uma vez coloca-se a questão sobre dar prosseguimento ou não de Angra 3. Tem sido lembrado que Angra 3 é importante para o futuro da energia nuclear no Brasil. Uma boa contribuição para o debate foi dada pelo professor Aquilino Senra em recente artigo “Desmonte do setor nuclear exclui Brasil do jogo no mercado global”. Justamente porque Angra 3 tem essa relevância, deve-se cuidar que o arranjo institucional e financeiro, a ser encontrado, não sacrifique esse futuro.

Várias questões estão sendo (re)colocadas, a predominante é sobre sua viabilidade econômica. Como primeiro passo, é útil admitir que, aplicando juros de 7% ou 5% ao ano, não é possível pagar o custo total histórico de uma obra, com duração superior a 40 anos1. Por isso, as decisões sobre reiniciar as obras de Angra 2 (1996) e Angra 3 (2001 a 2007) foram tomadas baseadas em seu custo incremental. A novidade é que, desta vez, os custos de parar Angra 3, após a interrupção de 2015, já estão atropelando a Eletronuclear e terão que ser levados em conta. Análises econômicas foram realizadas para a decisão anterior de retomada. Como houve um considerável avanço na obra, é muito provável que a resposta continue positiva apesar do custo maior constatado. 

Quanto às necessidades energéticas vale lembrar que Angra 2 foi terminada justo quando se configurou o “apagão” de 2001. A situação dos reservatórios nos últimos anos mostrou que estivemos muito perto de uma outra crise de abastecimento e que a energia firme de Angra é necessária. Não será talvez surpresa que Angra 3 venha, justamente, ajudar a remediar o próximo apagão.  

Outra questão fundamental é o da segurança da energia nuclear no que se refere a possíveis acidentes nas usinas de geração de energia elétrica. É um assunto cuja resposta definitiva pertence ao futuro.  

Depois de muita discussão sobre o acidente de Fukushima, a resposta pragmática dos países a essa questão é indicada por sua atitude frente a energia nuclear. De uma maneira esquemática, o uso para geração nuclear elétrica continua crescendo em países emergentes (China, Rússia e índia principalmente), outros (França, EUA e Reino Unido) estão retomando lentamente a construção de usinas (UK ainda não iniciou a construção), com grandes problemas econômicos que não diferem muito dos de Angra 3, e, finalmente, no grupo de países (Itália, Alemanha e Japão), cada país (nessa ordem), ou já abandonou, ou está em processo de abandonar, ou está com sérias dúvidas sobre a continuidade da geração nuclear elétrica. É interessante observar que todos esses grandes países, inclusive o último grupo (de perdedores da Segunda Guerra Mundial), não abriram mão de possuir, de compartir ou desfrutar da proteção das armas nucleares para sua defesa2 

Outra questão importante é se Angra 3, considerando seu projeto (anos setenta) e alguns equipamentos (anos oitenta) não estaria obsoleta ou insegura. É a questão abordada no abrangente relatório “Atualização do Padrão Técnico e de Segurança do Projeto de Angra 3” divulgado pela Eletronuclear recentemente e cujo sumário está aqui publicado. O trabalho confronta as exigências técnicas e de segurança, expressa em padrões e normas adaptadas às novas exigências, com a realidade de Angra 3 e aponta as modificações realizadas para atender essas exigências que evoluíram em função da experiência mundial acumulada, incluindo os acidentes. 

Quanto aos equipamentos, fundamentalmente deve-se considerar que os adquiridos são equipamentos estruturais, de muito lenta obsolescência, ou que mereceram cuidadoso esquema de manutenção, orientado pelo fabricante e ainda receberam algum tipo de atualização como é o caso do turbogerador. Outros equipamentos, como a mesa de controle e os equipamentos eletrônicos, ainda não haviam sido adquiridos e são atuais. 

     


[1] Início das obras civis em 1984, interrompidas em 1986, reiniciadas em 2007 e novamente interrompidas em 2015, primeiros equipamentos encomendados em 1975.

[2] Nesse resumo, faltam as duas Coreias: ambas consideram, a seu modo, a energia nuclear fundamental (geração ou bombas). Nas potências nucleares, uma corrida trilionária de modernização das armas nucleares está em curso; isso responde a questão (não colocada) da importância estratégica da energia nuclear.


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Relatório Técnico Externo:

Atualização do Padrão Técnico e de Segurança do Projeto de Angra 3

Sumário executivo de documento preparado pela Superintendência de Engenharia de Projetos – SET da Eletronuclear

Responsável: Jorge Mendes
Gerente de Sistemas e Instrumentação do Reator

Resumo

A Eletronuclear divulgou em fevereiro deste ano um estudo intitulado “Atualização do Padrão Técnico e de Segurança do Projeto de Angra 3” (finalizado em 2017) sobre as atualizações técnicas e de segurança acrescentadas ao projeto de Angra 3 com relação à segurança do empreendimento. Apesar de Angra 3 ter sido planejada nos anos 1970, ao longo do tempo, mudanças foram feitas na concepção original para incorporar modernizações tecnológicas, a experiência operacional do setor nuclear e as exigências das normas nacionais e internacionais, que foram revisadas no período. Isto permite que Angra 3 mantenha a segurança e o desempenho adequados aos padrões internacionais atuais. Apresenta-se aqui o sumário executivo, o Relatório Completo está disponível no site da Eletronuclear[3].

Palavras Chave:

Eletronuclear, Angra 3, programa nuclear, geração de eletricidade, crise financeira, segurança, normas internacionais, desempenho de usina nuclear.

1. Introdução

Este Sumário Executivo apresenta os pontos principais do processo utilizado pela Eletronuclear para fazer com que o projeto da usina Angra 3 mantenha a segurança e o desempenho adequados aos padrões atuais, são os seguintes:

O tipo de reator adotado em Angra 3, como nas demais unidades da CNAAA, o PWR – Reator a Água Pressurizada, permanece como o modelo internacionalmente predominante (277 de 438 reatores), tanto entre as unidades em operação como nas novas unidades em construção (50 de 60 reatores).

No processo evolutivo da tecnologia dos sistemas de segurança, 42 das 50 usinas em construção utilizando reatores PWR dispõe de sistemas de segurança de concepção similar aos de Angra 3 e apenas 8 têm sua segurança baseada extensivamente em sistemas passivos.

A usina de Angra 3 pertence ao padrão PWR 1.300 MW da Siemens, que se caracteriza por um elevado padrão de segurança e desempenho operacional, em função de suas características de projeto, dentre elas, o elevado grau de automação e o nível de redundância e diversidade adotados no projeto dos sistemas de segurança, e dos elevados requisitos de qualidade aplicados ao projeto e à fabricação dos equipamentos.

O projeto de Angra 3 utiliza Angra 2 como usina de referência, incorporando todas as modificações nela introduzidas com o objetivo de melhoria de segurança e desempenho. Um empreendimento testado e comprovado com altos índices de segurança e performance.

O projeto de Angra 3 incorpora as lições aprendidas com os acidentes já verificados em usinas nucleares de potência, a experiência internacional das últimas décadas, as alterações na base normativa nacional e internacional, além da evolução da base normativa e tecnológica de componentes e sistemas como se resume nos itens abaixo.

2. Atualização da Base Normativa

O projeto de Angra 3 foi atualizado com base nas normas alemãs válidas em 2003 quando foi solicitada a licença de construção ao órgão licenciador CNEN. No caso de componentes do circuito primário, já fornecidos com base em normas anteriores, avaliou-se que as versões mais recentes das normas não traziam alterações relevantes, permitindo validar a adequação dos mesmos para suas respectivas funções. O alto grau de requisitos técnicos das normas alemãs utilizadas em Angra 2 e 3, garante um padrão de segurança de alto nível. A base normativa e os critérios de projeto foram submetidos à CNEN, que os avaliou e concedeu a licença de construção para Angra 3 em 2010.

3. Atualização da Proteção contra Eventos Externos

No projeto de Angra 3, todos os carregamentos atuantes sobre as estruturas foram revisados e atualizados, em especial, no que diz respeito àqueles gerados pelos eventos externos. Foi realizado um estudo sobre a ocorrência de ventos extremos, com um levantamento dos registros de tornados no Brasil e adotou-se um tornado de categoria 3 na escala Fujita, correspondente aos maiores eventos já registrados no país. Foram realizadas análises detalhadas de ameaça sísmica em bases probabilísticas, por um grupo de consultores formado por geólogos, sismólogos e engenheiros estruturais renomados do Brasil e do exterior, utilizando-se a metodologia mais avançada. Estes resultados já estão sendo utilizados na Análise Probabilística de Segurança (APS) das usinas. Os primeiros resultados indicam que o risco sísmico das usinas está em níveis compatíveis com os índices de segurança internacionais. Além disso, a APS permitirá investigar os pontos mais críticos nos quais será possível atuar para aumentar ainda mais as margens de segurança já existentes.

4. Atualização de Sistemas e Equipamentos

Angra 3 terá equipamentos de Instrumentação e Controle digital no mesmo padrão dos projetos mais recentes de usinas nucleares, que deve contribuir para um melhor desempenho e segurança da planta. A sala de controle de Angra 3 é projetada com tecnologia digital e reflete o estado da arte em projetos de sala de controle. As atuações de componentes e monitoração de processos e alarmes são realizadas através de telas digitais em computadores. Em caso de perda da interface homem/máquina digital, estará ainda disponível um painel de segurança convencional para a operação da usina.

O aumento da capacidade de geração de Angra 3 (de 1350 para 1405 MWe) e a adequação às novas exigências das normas, inclui um novo disjuntor do gerador elétrico, equipamento fundamental para a conexão e desconexão com segurança da Usina ao sistema elétrico interligado nacional, considerando os 1405 MWe previstos.

O conjunto turbo-gerador foi fabricado em meados da década de 1980 pelas empresas SIEMENS AG/KWU tanto para Angra 2 como para Angra 3. Para atender ao aumento de potência de Angra 3, estão sendo promovidas mudanças indicadas pelo fabricante, incluindo a instalação de um Sistema Digital de Controle e Proteção da Turbina.

5. Atualização devido a experiência internacional

Com base nas lições aprendidas com as experiências resultantes dos acidentes relevantes acontecidos em outras usinas nucleares, o impacto em Angra 2 e 3 foi o seguinte:

  • O projeto das usinas alemãs, referência para Angra 2 e 3, foi verificado conforme a experiência e recomendações resultantes do acidente de Three Mile Island – TMI 2 (1979, EUA) e as modificações recomendadas pelo órgão licenciador US-NRC (United States – Nuclear Regulatory Commission) já haviam sido implementadas em Angra 2. Em 2010, para a licença de construção de Angra 3, foi emitido um documento para o órgão licenciador CNEN, registrando a verificação formal da aplicação de todas as recomendações da US-NRC devidas ao acidente de TMI-2.
  • Devido à experiência com o acidente de Chernobyl (1986, Ucrânia), as recomendações pertinentes foram consideradas em Angra 2 e 3, apesar da tecnologia de Chernobyl ser diferente da tecnologia de Angra 2 e 3.
  • Devido ao acidente de Fukushima Daiichi (2011, Japão), os princípios básicos de projeto, que levaram ao acidente, foram reavaliados para Angra 2 e 3 pela equipe técnica da Eletronuclear. Este trabalho é registrado em relatórios periódicos enviados e acompanhados pela CNEN. Os relatórios apresentam os resultados dos estudos e as modificações efetuadas nas usinas devidas ao acidente de Fukushima.
  • Eventos significantes ocorridos em usinas nucleares são analisados para Angra 2 e 3 através das informações obtidas por meio de convênios existentes entre a Eletronuclear e diversos órgãos como WANO (World Association of Nuclear Operators), IAEA (International Atomic Energy Agency), EPRI (Electric Power Research Institute) que nos pemitem demonstrar a adequação da segurança de Angra 2 e 3.

6. Atualização para acidentes severos

Em relação ao projeto robusto para fazer frente a eventos além da base de projeto incluindo acidentes severos com fusão do núcleo, foram introduzidas, ou já estão planejadas modificações em Angra 2, sendo introduzidas modificações no projeto de Angra 3. Por exemplo, foram projetados recombinadores passivos de Hidrogênio, dimensionados para a concentração máxima admissível de Hidrogênio no interior do edifício da Contenção do reator, de tal maneira que explosões possam ser evitadas. Adicionalmente será instalado um sistema de alívio filtrado da contenção que impede que a pressão interna supere a base de projeto. Todas as provisões para eventos além da base de projeto introduzidas em Angra 3, são similares às provisões incluídas em projetos atuais de usinas nucleares em construção.

7. Conclusões

O desempenho operacional de Angra 2 é compatível com a tecnologia atual e com os melhores desempenhos das usinas em operação. Angra 3 terá um desempenho similar e, em alguns casos superior, devido às melhorias da instrumentação e controle digital e de novos equipamentos. As melhorias introduzidas em Angra 3, para possíveis acidentes além da base de projeto, são similares às soluções implantadas recentemente nas usinas existentes e em projetos atuais de concepção similar a Angra 3. Estas características do projeto mostram que Angra 3 será uma usina moderna e com um padrão de segurança compatível com as usinas atualmente em construção.

[3] http://www.eletronuclear.gov.br/LinkClick.aspx?fileticket=tcCBiUp1yAw%3D&tabid=69


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Economia e Energia – E&E    Nº 98,  janeiro a março 2018

ISSN 1518-2932

Artigo:

O Poder da Contabilidade

Patrícia Sena,
Carlos Feu Alvim e
Leonam Guimarães

Resumo

O poder da Contabilidade está também presente em nossas contas externas (Balanço de Pagamentos) e nas Contas Nacionais. A mais recente mudança de critério do FMI acarretou um acréscimo na dívida externa brasileira de mais de 120 bilhões de dólares. O Conceito tradicional da Contabilidade Nacional é que ela referia-se a contabilidade dentro das fronteiras físicas de um país, ou seja, no Território Nacional, dentro de seus limites geográficos. A contabilidade externa se ocupava das trocas entre territórios, ou seja, através das fronteiras dos países.

Sem muito alarde, este conceito foi mudado por norma do FMI. No novo conceito, que rege essas contabilidades: as transações externas não são mais entre países, mas entre residentes e não residentes. As normas do FMI explicitam que isso é válido mesmo que o produto seja um recurso natural como a água, petróleo ou gás natural e que as transações tenham sido feitas em reais.

Palavras Chave:

Contabilidade, Receita Federal, Balanço de Pagamentos, Contas Nacionais, Contas externas, Lei 11.638, poder da contabilidade, Banco Central, FMI, BPM6.

1. Objetivo do Trabalho

A contabilidade está inevitavelmente associada ao exercício do poder em suas diversas esferas. É através dela que o cidadão e, sobretudo, o empresário brasileiro sente o peso da Receita Federal, Estadual ou Municipal. O poder da Contabilidade está também presente em nossas contas externas (Balanço de Pagamentos) e nas Contas Nacionais. A mais recente mudança de critério do FMI acarretou um acréscimo na dívida externa brasileira de mais de 120 bilhões de dólares. Foi ainda uma diferença contábil o motivo formal do impeachment da Presidente do Brasil. A contabilidade também se estende as áreas não monetárias onde é utilizada como instrumento de conhecimento e de tomada de decisão gerencial e política.

É interessante notar que este poder passa diretamente pelos profissionais da área, os contadores, mas que normalmente aparecem apenas como produtores das informações intermediárias. E é até curioso que não se tenha dado destaque a opinião de autoridades do conhecimento contábil no caso do impeachment presidencial. No caso das profundas mudanças ocorridas nas Contas Nacionais e no Balanço de Pagamentos, não consta que tenham sido ouvidos os conselhos da classe contábil.

As mudanças ocorridas nas Contas Nacionais e no Balanço de Pagamentos foram tão significativas quanto às mudanças ocorridas na contabilidade empresarial a partir de Dezembro de 2007, com a sanção da Lei 11.638 (1) (para alteração da Lei 6.404), momento que marcou a maior revolução contábil no Brasil dos últimos 30 anos. E nesse momento, os profissionais da Contabilidade aprofundaram seus conhecimentos acerca das mudanças introduzidas para adequar, ao padrão internacional, as demonstrações Financeiras.

A Lei 11.638 usou a estrutura já existente do CPC (Comitê de Pronunciamentos Contábeis), que havia sido criado em 2005 pelo CFC (Conselho Federal de Contabilidade). Este órgão ficou responsável por traduzir os padrões internacionais para o português e, também, por adaptá-los à realidade brasileira, emitindo Pronunciamentos, Interpretações e Orientações técnicas convergentes com as normas internacionais.

Este artigo tem como objetivo chamar a atenção para o a importância dessas contabilidades (nacional e externa) e da necessidade da contribuição do conhecimento dos profissionais da Ciência Contábil na análise das profundas mudanças que estão sendo introduzidas. Também busca chamar a atenção sobre a oportunidade aberta aos profissionais da Ciência Contábil no Brasil de assumirem um papel mais ativo na discussão dos problemas apresentados, hoje enfatizado e discutido por economistas.

2. A Contabilidade e as Influências da Matemática em seus Primórdios na Europa

A Contabilidade é a ciência que estuda, interpreta e registra os fenômenos que afetam o patrimônio de uma entidade (2). As primeiras manifestações contábeis datam de 2000 a. C. com os sumérios. A própria Bíblia, cujos primeiros relatos são considerados a partir de (1800 a. C.) apresenta várias referências à contabilidade (3) inclusive a de ovelhas, associada à origem das técnicas contábeis. Igualmente são atribuídas à necessidades da Contabilidade, o próprio desenvolvimento da numeração e da escrita e muitos progressos na Matemática.

Não é, pois, uma coincidência que tenha sido o matemático Leonardo Fibonacci quem introduziu na cultura europeia tanto os algarismos arábicos como as técnicas contábeis. Seu livro Liber Abaci trata da Aritmética Comercial e de vários problemas ligados ao comércio. A partir do século XV coube ao Frei Luca Pacioli a divulgação do método das partidas dobradas, encerrando a fase menos organizada da contabilidade. O método consta de um capítulo de seu livro “Summa de Arithmetica, Geometria, Proportioni et Proportionalità”. Luca Pacioli é considerado o pai da contabilidade Moderna (4).

Apesar da influência matemática, a Contabilidade não é considerada uma ciência exata. Ela é uma ciência social, pois é a ação humana que gera e modifica o fenômeno patrimonial. Todavia, a contabilidade utiliza os métodos quantitativos como sua principal ferramenta, pois eles mostram o valor do patrimônio da empresa. Seu campo de atuação é bastante vasto e aplica-se a todos os aspectos socioeconômicos de uma sociedade (5). De acordo com a doutrina oficial brasileira (6) (organizada pelo CFC – Conselho Federall de Contabilidade) a contabilidade é uma ciência social, assim como, a economia e a administração.

A contabilidade como ciência social se reflete na vida de toda sociedade seja por meios da obrigatoriedade da contabilidade para as empresas (hoje imposta pelo Novo Código Civil), seja na utilização para arrecadação de impostos pelos governos. Porém o objetivo principal da contabilidade é o patrimônio, seja ele de pessoas físicas jurídicas, Estado ou Nação, visando seu controle.

3. A Contabilidade e o Poder da Informação

O registro das transações de uma companhia é de suma importância para sua sobrevivência no mercado; é por meio dessas informações que portas para negócios e oportunidades, se abrem ou se fecham. Pode-se assim dizer que, a Contabilidade é Informação expressa em números, e é por meio dessas informações que a Contabilidade produz em seus relatórios financeiros, que o real patrimônio da organização é revelado. Senão vejamos:

  1. – As mutações decorrentes das operações empresariais constituem o único veículo que um investidor nacional ou estrangeiro tem de diagnosticar a qualidade de vida e a saúde financeira de uma empresa;
  2. – É um meio também, pelo qual toda a empresa fica registrada de modo a ser avaliada no passado, presente e futuro, para que se tenha conhecimento do seu progresso, estagnação financeira ou retrocesso;
  3. – A contabilidade fornece o máximo de informações úteis para a tomada de decisões dentro e fora da empresa. É onde se enquadra o papel do contador, o qual deverá estar interagindo com os gestores de modo que, essas informações, sejam as mais objetivas e precisas possíveis, levando para a entidade os relatórios mais fidedignos da realidade empresarial e ser, assim, o melhor instrumento para a tomada de decisão;
  4. – É por meio de balanços contábeis que a organização tem ou não acesso a uma linha de crédito de instituições financeiras, seja ela pública ou privada, e até mesmo a processos licitatórios;
  5. – A contabilidade deve atender a necessidade de cada segmento, vise ele o lucro ou não. Ela permite a busca constante de respostas no mundo dos negócios, possibilitando não só que investidores se beneficiem de suas informações na corrida constante pelo lucro, como os demais cidadãos as usem na busca de melhores condições sociais. As empresas, como as organizações sem fim lucrativo, são parte integrante da sociedade e, por sua vez, exercem influência sobre ela com suas decisões. Torna-se assim a contabilidade uma ciência envolvida no contexto geral da sociedade, sendo, como já foi aqui lembrado, uma ciência social.

A contabilidade, aliada à informação, que é produzida por meio de seus relatórios e instrumentos financeiros, principalmente nos pontos citados, reforça seu poder com o da informação. O poder da contabilidade não se restringe somente em orientar onde decidir investir, ou meramente, liberar linhas de créditos, vai além atingindo a decisão de importar ou exportar, bem como, de permitir a participação em processos licitatórios. O poder de fazer provas judiciais, por exemplo, pode inclusive restringir a liberdade, entre outros. Fica claro que o poder da informação contábil, expressa em relatórios fidedignos, pode muito por seus efeitos.

4. A contabilidade ampliou seus Poderes com a Informática

Os estreitos laços com a ciência dos números são responsáveis, também, pelo grande impacto que tem o progresso da informática sobre a prática contábil moderna. Hoje não são mais os contadores “cientistas de números e cálculos”. Aqueles profissionais, especializados em contabilidade simples e pura, partidas dobradas, pesquisadores do estudo do patrimônio, estão em extinção. As vertentes da tecnologia e a busca contínua pelo aumento da arrecadação dos governos transformaram esses profissionais em verdadeiros “infomaníacos”, guardando pouca relação com os aspectos científicos de sua disciplina.

Este domínio das atividades dos contadores visando atender a normatizações, no caso do Brasil, emanadas principalmente da Receita Federal e do Banco Central, pode ser descrito como o poder da Receita submetendo cidadãos, empresários e contadores a seu controle (4). Com efeito, o poder arrecadador acrescentou à Receita Federal uma nova ferramenta o T-Rex, um supercomputador que leva o nome do “Tiranossauro Rex”, e o software Harpia, ave de rapina, que teria até a capacidade de aprender com o “comportamento” dos contribuintes para detectar irregularidades. A isso se soma um poderoso computador do Banco Central, que já está sendo chamado Hal. A partir da estreia do Hal, com um simples clique, COAF, Ministério Público, Polícia Federal e qualquer juiz têm acesso a todas as contas que um cidadão ou uma empresa mantêm no Brasil.

Este quadro mostra como a contabilidade, aliada à informática, transformou-se em uma nova forma de exercício do poder que é muito mais amplo e atinge a um número pouco conhecido de atividades. O exercício deste poder tem escapado aos profissionais da área, o que renova a importância do aperfeiçoamento das ciências contábeis e dos seus profissionais. O novo poder da Contabilidade é um desafio aos profissionais da área. É também um desafio ao exercício da Democracia, uma vez que resoluções que afetam profundamente as vidas dos cidadãos têm sido tomadas fora do seu conhecimento e quase sem nenhum controle da Sociedade.

5. A Contabilidade é mais Ampla que a do Dinheiro

Ao abordar o poder associado à Contabilidade, devemos começar por lembrar que ela não envolve apenas valores monetários, nem se restringe a pessoas físicas e empresas ou outras entidades jurídicas, públicas e/ou privadas. Existe a Contabilidade Nacional que envolve todas as atividades de um país e a Contabilidade Externa ou Balanço de Pagamentos que se refere (ou se referia) às transações entre países cujos conceitos estão em fase de mudança.

Além disso, a contabilidade, que parece ter nascido para avaliar rebanhos, continua a ser usada para isso. Entretanto, ela se aplica também a frota de veículos, estradas, movimento aéreo, cargas transportadas, população, residências, doenças, pragas e a um sem número de assuntos que se enquadram ou não na contabilidade de valores monetários.

Com ligeiras adaptações, as técnicas contábeis aplicam-se, por exemplo, à avaliação das emissões de gases causadores de efeito estufa, de imensa importância, para o futuro do planeta. A contribuição de cada país para a emissão dos diversos gases é contabilizada. Para cada gás se atribui um valor (como o preço na contabilidade monetária) em unidades de equivalente a gás carbônico. Fluxo e estoque desses gases são avaliados para se deduzir o esperado efeito sobre o aquecimento global. Este controle também está sendo feito a nível empresarial.

Também se aplica o mesmo conceito ao controle de materiais nucleares para evitar que eles sejam desviados para a fabricação de armas nucleares. Para monitorar essas atividades existem órgãos da ONU, nacionais e regionais que controlam essas atividades “contábeis”. Por exemplo, o Brasil é parte da Agência Brasileiro-Argentina de Contabilidade e Controle de Materiais Nucleares (ABACC). Na área energética, cada país elabora seu Balanço Energético anual onde toda a energia produzida, transformada e consumida nas empresas, unidades residenciais e locais públicos é igualmente monitorada por processos contábeis.

Essas contabilidades também se prestam ao exercício do poder. O controle de materiais nucleares derivou diretamente do desejo de conter a proliferação das armas nucleares, entretanto essa ação decorre do desejo dos países dominantes de manterem a exclusividade no uso dessas armas. O inventário de gases de efeito estufa serve para que países se submetam a limitações que, se não cumpridas, podem resultar em punições ou perdas de vantagens políticas e econômicas.

6. A Contabilidade Nacional e Externa e suas Recentes Mudanças

O ponto nevrálgico deste artigo é, no entanto, chamar a atenção para duas contabilidades que afetam diretamente a economia dos países. É a chamada Contabilidade Nacional e o Balanço de Pagamentos que corresponde (ou correspondia) à contabilidade entre países. Os líderes da formulação da metodologia que rege essas contabilidades são respectivamente o Banco Mundial e o Fundo Monetário Internacional – FMI. Um resumo de como as normas internacionais são internalizada no Brasil é mostrado no Anexo.

O Conceito tradicional da Contabilidade Nacional é que ela referia-se a contabilidade dentro das fronteiras físicas de um país, ou seja, no Território Nacional, dentro de seus limites físico-geográficos. A contabilidade externa se ocupava das trocas entre territórios, ou seja, através das fronteiras dos países.

Sem muito alarde, conforme exposto na referência (7), este conceito foi mudado por norma do FMI. No novo conceito, que rege essas contabilidades: as transações externas não são mais entre países, mas entre residentes e não residentes.

Esta definição poderia levar a conclusão que não existe mais comércio entre países, mas, entre pessoas. Ou então, poderia ser considerada uma “nação virtual” composta por não residentes com a qual seria registrado o comércio dos residentes, com os não residentes no país.

Mas não foi esta a solução adotada pelo FMI: quando um residente nacional negocia com um “não residente” ele está negociando com o país onde este “não residente” efetivamente reside. Ou seja, se uma empresa de brasileiros vende um produto para outra empresa cujo capital é de um residente tailandês está havendo uma exportação do Brasil para a Tailândia. Isto é válido, mesmo se o produto permanecer no Brasil e o comércio for realizado em reais. Nota-se que o residente tailandês pode ser, inclusive, de nacionalidade brasileira. Os critérios de residência permanente do possuidor do capital são cuidadosamente definidos no Manual de Balanço de Pagamentos do FMI, agora em sua sexta edição – PBM6 (8). Nada impede também que o possuidor do capital que fixa a nacionalidade do importador esteja temporariamente residindo no Brasil.

O raciocínio também funciona no sentido inverso: Se a empresa do residente tailandês instalada no Brasil vende seu produto para uma empresa brasileira (propriedade de residente no Brasil) está havendo uma exportação da Tailândia para o Brasil e, consequentemente, o Brasil está importando um produto feito no próprio Brasil. As normas do FMI explicitam que isso é válido mesmo que o produto seja um recurso natural como a água, petróleo ou gás natural e que as transações tenham sido feitas em reais.

Quem lida com contabilidade, pode claramente compreender, as dificuldades que isto gera no sistema das contas nacionais. O FMI pensou no assunto e tratou, em associação com o Banco Mundial que lidera a metodologia das Contas Nacionais, de como equacionar o problema. Para que as contas nacionais possam “fechar” é necessário que o produto da empresa tailandesa, fabricado no Brasil, seja retirado da produção brasileira e passe a ser registrado como produto tailandês. Assim, não haveria dupla contagem quando ele fosse “importado” da Tailândia para o Brasil.

Para completar o quadro, foi criado o conceito de extensão do “território econômico” de um país sobre as fronteiras físicas do outro. Na nova sistemática, a empresa tailandesa no Brasil passa a fazer parte do “território econômico” da Tailândia. A produção tailandesa em território físico brasileiro (que poderia ser água extraída dos mananciais brasileiros) seria considerada como produzida no território econômico tailandês e, naturalmente, seu consumo no Brasil só é possível contabilmente através de sua “importação” da Tailândia. Naturalmente as Contas Nacionais da Tailândia registrarão a produção, no caso suposto, de água da fonte brasileira.

O Banco Central que cuida do Balanço de Pagamentos do Brasil adotou a Metodologia PBM6 do FMI em 2016 e a aplicou aos dados de 2015 e, retroativamente, aos de 2010 a 2014. Comparou os resultados obtidos com o resultante da aplicação da versão anterior (BPM5) (9). Mesmo sem nenhuma mudança metodológica substancial, apenas variando os critérios de sua aplicação, isto resultou numa redução das exportações brasileiras e um aumento das importações com impacto acumulado de 10,4 bilhões de dólares no período.

Mudança ainda mais importante ocorreu em relação às transações correntes. Na nova metodologia do FMI, mesmo com os critérios do BPM5, os reinvestimentos das companhias de capital estrangeiro (de não residentes) no Brasil passaram a ser considerados como investimentos externos. Notar que essas empresas, na maioria, são consideradas pelas leis brasileiras como empresas nacionais, desde que sejam registradas no Brasil. Esses reinvestimentos resultam, portanto, de lucros auferidos em reais no Brasil de empresas consideradas nacionais. O Balanço de Pagamentos foi concebido para dar, como resultado, as necessidades de financiamento em moeda estrangeira. Para transformar esses reinvestimentos em investimentos externos foi preciso registrá-los no que se chamou de “hiato financeiro”. Para fechar as contas externas, ao invés de utilizar-se o déficit das transações correntes apurado pela metodologia FMI, utiliza-se o valor do déficit menos o do “hiato financeiro”[1].

Nele também passou a figurar os juros pagos por títulos de renda fixa no Brasil (novidade no BPM6), abatidas despesas com as reservas. No período de 2010 a 2014 isso resultou, conforme a avaliação do próprio BC, em um agravamento do déficit de 73,1 bilhões de dólares. Houve ainda um ganho no setor serviços de 3,9 bilhões de dólares sendo o resultado global sobre as transações correntes de –79,6 bilhões de dólares. Além disto, a mudança de critérios entre as duas revisões metodológicas (incorporação dos títulos de renda fixa de não residentes) fez crescer a dívida externa em 127 bilhões de dólares (dados de 2017).

7. O Poder da Contabilidade e os Desafios ao Contador

Os exemplos apontados mostram claramente o poder que vem sendo exercido através da contabilidade nas mais diversas esferas de atuação tanto no nível nacional como no nível internacional. A Contabilidade permeia muitas outras áreas do conhecimento humano e certamente a contribuição dos profissionais da contabilidade é sempre bem-vinda. Eugênio Staub afirma que a Capacidade de adaptação é uma das virtudes exigidas dos candidatos à sobrevivência na economia globalizada”.

No atendimento dos clientes habituais, o contador enfrenta hoje um arsenal tecnológico dos entes Federais, Estaduais e Municipais, que já trabalham integrados, desenvolvido e custeado pelos próprios contribuintes. E, em certa medida, consideram válido que “todos são culpados até que provem o contrário”.

As empresas contábeis são obrigadas a investir pesado para conseguir acompanhar o ritmo frenético e alucinante em inovações tecnológicas. Tudo para cumprir os ritos e obrigações impostas pelos órgãos da Receita que se apoiam em um imenso poderio tecnológico.

Mais e mais melhorias em infraestrutura são necessárias para atender, com e eficácia, os exigentes relatórios demandados pelos diferentes órgãos públicos. Se no século XV o contador era necessário, no século XXI ele é primordial para a existência, sobrevivência e continuidade das empresas.

Como no passado, a superação profissional, mais uma vez, abre caminho para as oportunidades de mercado para os profissionais da Contabilidade. A base fundamental, do trabalho dos contadores atuais junto aos clientes, é de aconselhamento e consultoria como medidas preventivas contra irregularidades.

O profissional da contabilidade tem um duplo desafio:

  • Por um lado, tem que se preparar para apoiar o cliente. Nesse novo tempo, os contadores cumprem todos os prazos, aconselham seus clientes e oferecem consultoria preventiva. As multas são altas, sendo a base das autuações o faturamento do governo. Investem em suas empresas contábeis, compram softwares de altas tecnologias, legalizados e bem integrados. A contabilidade do futuro tem regras editadas pela Receita Federal. A ciência social entrou no campo da ciência da tecnologia aplicada às Leis. O versátil profissional da contabilidade, além de dominar as mais modernas ferramentas tecnológicas, deve ainda procurar atualização constante e aprofundada de estudos legais nos ramos em que atuam.
  • Por outro lado, a contabilidade passou a ser instrumento de poder na área internacional tanto no que se refere a valores monetários como em outras áreas de atividade. Os profissionais da contabilidade devem estar preparados para grandes desafios, que podem incluir colaboração para enfrentar regras internacionais que podem atingir a saúde econômico-financeira do País. Complementarmente, a extensão da aplicação das técnicas contábeis a outras áreas também é uma oportunidade a eles aberta.

A valorização da Classe Contábil passa certamente por alcançar a capacidade para enfrentar os grandes desafios que lhe estão sendo impostos por tantas novidades políticas, econômicas e tecnológicas. Esses profissionais que já merecem o reconhecimento da sociedade, por contribuírem para o desenvolvimento do País em suas múltiplas funções, tem agora a oportunidade de enfrentar as novas frentes de trabalho que se apresentam.

Referências

  1. LEI Nº 11.638 de 28 de dezembro de 2007. Altera e revoga dispositivos da Lei no 6.404, de 15 de dezembro de 1976, e da Lei no 6.385, de 7 de dezembro de 1976, e estende às sociedades de grande porte disposições relativas à elaboração e divulgação de demonstrações financeiras. [Online] http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2007/lei/l11638.htm.
  2. FEA – USP. O que é Contabilidade. FEAUSP. [Online] https://www.fea.usp.br/contabilidade/pos-graduacao.
  3. Accounting in the Bible. HAGERMAN, ROBERT L. 2, Birminghan, Alabama : The Birmingham Publishing Company, 1980, Vol. 7.
  4. Só Contabilidade. Biografias. socontabilidade. [Online] http://www.socontabilidade.com.br/conteudo/biografia_autores.php
  5. Sena, Patrícia. Contabilidade – seu Valor “do passado ao futuro”. Linqued in. [Online] fevereiro de 2016. https://pt.linkedin.com/pulse/contabilidade-seu-valor-do-passado-ao-futuro-patr%C3%ADcia-sena.
  6. Conselho Federal de Contabilidade. RESOLUÇÃO CFC N.º 774/94. . Apêndice à Resolução sobre os Princípios Fundamentais de. Contabilidade. [Online] 16 de dezembro de 1994. http://app.senar.org.br/legislacao/setor_cont/res_cfc_774.pdf.
  7. Carlos Feu-Alvim, Andreza Starling, Olga Mafra. Mudanças no Balanço de Pagamentos. Economia e Energia. 96, julho-setembro de 2017. http://ecen.com.br/?page_id=661.
  8. International Monetary Fund. Sixth Edition of the IMF’s Balance of Payments and International Investment Position Manual (BPM6). IMF. [Online] november de 2013. http://www.imf.org/external/pubs/ft/bop/2007/bopman6.htm.
  9. Banco Central do Brasil. Série histórica do Balanço de Pagamentos – 5ª edição do Manual de Balanço de Pagamentos e Posição de Investimento Internacional (BPM5). BCB. [Online] http://www.bcb.gov.br/htms/infecon/Seriehist_bpm5.asp.

ANEXO: Os Caminhos das Normas Contábeis

As Figuras 1 a 3 mostram as trajetórias das normas internacionais para as brasileiras, no Balanço de Pagamentos, nas Contas Nacionais e para a contabilidade de grandes empresas.

Figura 1: Manual BPM6 e Notas Metodológicas do Banco Central

Figura 2: Sistema de Contas Nacionais e Notas Metodológicas IBGE

Normas Empresariais

Figura 3: As normas internacionais ISA (International Accounting Standard) são aprovadas pelo Comitê Diretor do IASB International Accounting Standard Board e são divulgadas e difundidas pela Fundação IFRS. Estas normas são traduzidas e adaptadas pelo Comitê de Pronunciamentos Contábeis – CPC, órgão privado criado pela Resolução CFC n° CFC 1055/05 e composto pelas organizações (ABRASCA, APIMEC NACIONAL, BOVESPA, Conselho Federal de Contabilidade, FIPECAFI e IBRACON). O caso exemplo mostrado é da IAS 36 sobre impairment “traduzida” (sempre são necessárias adaptações) pelo “pronunciamento” CPC 01. A CVM, na Deliberação 639 de 07/10/2010, aprovou e tornou obrigatória a adoção do CPC 01 para as companhias de capital aberto. Igualmente a ANEEL, na Resolução normativa 605 de 19/02/2014, aprovou o Manual de Contabilidade do Setor Elétrico – MCSE (não mostrado na figura) que também adotou o CPC 01.

[1] Uma “pedalada” que deve fazer corar os profissionais da Contabilidade.


Neste Número:

É a Contabilidade, Estúpido! | Crise na Geração NuclearA Continuidade de Angra 3 | Atualização do Padrão Técnico e de Segurança do Projeto de Angra 3  | O Poder da Contabilidade | E&E 98 Tudo |


Crise na Geração Nuclear


Economia e Energia – E&E    Nº 98,  janeiro a março 2018

ISSN 1518-2932

CRISE ECONÔMICO-FINANCEIRA NA GERAÇÃO NUCLEAR

José Israel Vargas,
Carlos Feu Alvim e
Olga Mafra

 Resumo:

A situação financeira da Eletronuclear já vinha apresentando problemas, desde 2015, com a crescente transferência de responsabilidade pelo investimento na construção de Angra 3. Este conjunto inicial de eventos provocaria virtual insustentabilidade da empresa no ano de 2015. No presente o Brasil encontra-se novamente em uma encruzilhada em relação à Angra 3. A interrupção das obras em 2015 gerou o vencimento de compromissos com os bancos financiadores em valores de 55 milhões de R$ que absorveriam cerca de 20% de sua receita, advinda da geração de Angra 1 e 2. A desestruturação do Setor Nuclear Brasileiro, considerado estratégico para a Segurança Nacional, terá graves implicações na estabilidade de atividades ligadas à defesa nacional. Também terá fortes impactos na independência e sustentabilidade de todo o complexo nuclear, do qual depende não só o abastecimento de energia da Região Sudeste, mas também a estabilidade do Sistema Elétrico Interligado.

Palavras Chave:

Eletronuclear, programa nuclear, geração de eletricidade, Central de Angra, Angra 3, INB, crise financeira, segurança do sistema, Segurança Nacional.

Resumo da situação da Geração Elétrica Nuclear no Brasil em dezembro de 2017

Em 13 de Novembro do ano passado as direções da Eletronuclear e da INB reuniram-se com o Presidente da Câmara, deputado Rodrigo Maia, para chamar a atenção sobre a grave situação econômico-financeira da área da geração de energia eletronuclear (1). O Diretor Presidente da Eletronuclear, Leonam Guimarães confirma que esta situação é fundamentalmente devida aos dispêndios induzidos pelo estado em que se encontra o projeto de construção de Angra 3.

Os gastos com a interrupção de Angra 3 absorvem as tarifas geradas por Angra 1 e 2, já reduzidas em valor real de 14%, pela ação ANEEL. Embora os recursos gerados sejam suficientes para manter as duas usinas, em pleno funcionamento, a inadimplência das responsáveis contratuais pela construção de Angra 3 quais sejam a Eletrobras e os financiamentos dos bancos BNDES e Caixa Econômica Federal, com a transferência dos encargos assumidos, tornou insustentável a situação da empresa.

De fato o não cumprimento pela Eletrobrás dos encargos, tanto o inicialmente acordado (de 20%), como o ampliado posteriormente (de 40%), bem como daqueles de responsabilidade dos referidos bancos, em decorrência da mencionada interrupção do projeto Angra 3, agravou-se mais ainda pelo início de cobrança pelos bancos de juros sobre os passados investimentos, atualmente em 30 milhões de reais mensais (do BNDES) e que alcançariam mensalmente 55 milhões de reais com a prevista incorporação dos pagamentos devidos à CEF.

A situação financeira da Eletronuclear já vinha apresentando problemas, desde 2015, com a crescente transferência de responsabilidade pelo investimento na construção de Angra 3. Este conjunto inicial de eventos provocara virtual insustentabilidade da empresa no ano de 2015. Com efeito, a declaração de impairment (redução do valor de recuperação de um ativo) de 3,4 bilhões de reais reduziu a zero, naquele ano, o patrimônio líquido da Empresa. Além disso, a impossibilidade da controladora Eletrobrás de aportar, como apontado acima, recursos próprios conforme previsto em contrato tanto inicial como o posterior já tornara o empreendimento problemático. A situação do impairment  poderia ter sido, em princípio, resolvida com a repactuação da tarifa de Angra 3, persistindo, no entanto, o problema do aporte de recursos próprios cujo equacionamento estava em estudo.

Isso se tornou politicamente inviável quando as operações da Polícia Federal e Justiça Brasileira com as operações “Lava Jato” e “Pripyat” atingiram membros da alta direção da Empresa.

Foi nesse quadro que se decidiu suspender a construção de Angra 3, no entanto não motivada diretamente por essas operações, mas, pela incapacidade política de equacionar os problemas já existentes.

A paralisação da construção de Angra 3 (2) agravou a situação como esclarece o Presidente da Eletrobras, Wilson Ferreira Jr., fazendo cessar o fluxo financeiro dos empréstimos assumidos e naturalmente, acrescentadas despesas com o adiantamento do vencimento de juros já referidos e exorbitantes na conjuntura, que seriam normalmente pagos após a conclusão do empreendimento, pela geração de recursos resultantes do funcionamento de Angra 3.

Além disto, a Empresa deve arcar com a manutenção do canteiro de obras que é uma obrigação que envolve a preservação do investimento já realizado com a construção de Angra 3 e os requerimentos de segurança das centrais em operação. Com a paralisação das obras, foram geradas obrigações vencidas com fornecedores, que atualmente alcançam 50 milhões de reais.

A crise atual envolve, em virtude dos encargos referidos, a própria produção de combustível nuclear pela empresa Indústrias Nucleares do Brasil – INB com a qual a Eletronuclear já reduziu seus compromissos de pagamento de combustíveis, a partir de outubro deste ano, face à previsível  indisponibilidade de recursos. A situação da INB ficou crítica, além disto, em virtude dos cortes lineares realizados no orçamento limitarem seus gastos anuais, afetando, inclusive, a utilização dos recursos próprios gerados pela venda de combustíveis, mesmo os decorrentes de exportação.

Concretamente, embora o combustível para 2018 já esteja assegurado (3) (4), a ser mantida a atual situação, a energia elétrica de origem nuclear poderia ter seu fornecimento suspenso a partir de 2019. Este atraso pode configurar-se irreversível pela antecedência necessária para a fabricação do combustível.

A produção de energia nuclear é um assunto da mais alta sensibilidade internacional e não pode estar sujeita a restrições que limitem a segurança do sistema, inclusive no que concerne a segurança da população. Ressalte-se enfaticamente que problemas de fluxo de recursos nessa indústria podem provocar tragédias humanas e ambientais de consequências imprevisíveis. O Brasil corre o risco de vir a violar (ou já estar fazendo) o Protocolo da Convenção de Segurança Nuclear da qual é signatário e onde se compromete, entre outras obrigações a:

  • Assegurar que os recursos financeiros adequados estejam disponíveis para apoiar a segurança de cada instalação nuclear ao longo de sua vida;
  • Assegurar que número suficiente de pessoal qualificado esteja disponível, para todas as atividades relacionadas com segurança para cada instalação, ao longo de sua vida.

A nomeação e o afastamento de sucessivos diretores-presidentes interinos claramente não ajudou o processo de recuperação da Empresa. A clara exposição da grave situação que vem fazendo, em diversos fora, o atual diretor-presidente Leonam Guimaraes e sua recente efetivação no cargo (5) criaram as condições para que o Governo Federal assuma sua responsabilidade para a urgente solução do problema.

Não fazê-lo implica desestruturar o estratégico Setor Nuclear brasileiro resultante de mais de 60 anos de esforços, com fortes impactos na Segurança Nacional, na independência e sustentabilidade de todo o complexo nuclear do qual depende não só abastecimento de energia da Região Sudeste, mas a estabilidade do Sistema Elétrico Interligado, com graves implicações na estabilidade de atividades ligadas à defesa nacional, inclusive no que diz respeito os compromissos assumidos em Acordos Internacionais, e à saúde da população brasileira.

Claramente é necessário equacionar separadamente a situação de Angra 3, já que praticamente a totalidade dos agentes envolvidos está diretamente vinculada ao Governo Federal. Isso permitiria dar continuidade a geração segura de energia nuclear através das usinas Angra 1 e 2 com os recursos provenientes da tarifa assim auferidas.

O Setor Nuclear necessita de urgente reestruturação que o fortaleça para garantir o cumprimento das atividades de sua responsabilidade, inclusive constitucionais. A geração de energia nuclear elétrica é seu principal eixo econômico e esta reestruturação deve levar em conta este amplo papel.

Recorde-se ainda que o Setor Nuclear, em todos os países onde essa atividade é relevante, vincula-se diretamente à alta esfera do Governo Central que assume também toda responsabilidade por sua estratégia.

No Brasil, a responsabilidade pela proteção das atividades do Programa Nuclear, bem como, da Secretaria Executiva do Comitê Interministerial que cuida do assunto está concentrada no Gabinete de Segurança Institucional, na Presidência da República.

Pode-se resumir assim as medidas urgentes necessárias:

  • Equacionar separadamente a situação de Angra 3 da produção de energia por Angra 1 e 2 possibilitando a utilização integral da tarifa à destinação prevista,
  • Complementar o orçamento da INB de maneira a possibilitar, pelo menos, o uso dos recursos da venda de combustível para assegurar a geração nuclear em 2019,
  • Cuidar para que sejam mantidas as condições técnicas, pessoais e financeiras para operação com mínimo risco das centrais existentes e do canteiro de obras,
  • Adicionalmente é necessário tomar medidas para equacionar problemas emergentes,
  • Encaminhar a decisão sobre o prosseguimento da construção de Angra 3 através de decisão do Conselho Nacional de Política Energética CNPE,
  • Iniciar a reestruturação do Setor Nuclear para impedir sua deterioração administrativa e técnica e aproveitar suas potencialidades e oportunidades comerciais, facilitando a participação do setor privado e a operação dos organismos do Estado nas tarefas de sua responsabilidade,
  • Reunir os elementos para a formulação de uma política nuclear de longo prazo, coerente com a importância estratégica dos assuntos do Setor.

Bibliografia

  1. Petronotícias. A grave crise da Eletronuclear e INB é levada ao Presidente da Câmara que promete ajuda para uma solução . Petronotícias. [Online] 13 de novembro de 2017. https://petronoticias.com.br/archives/105361.
  2. Pamplona, Nicola. Parada, Angra 3 dá prejuízo adicional de R$ 30 milhões por mês à Eletrobras. UOl Folha de São Paulo. [Online] 14 de novembro de 2017. http://www1.folha.uol.com.br/mercado/2017/11/1935328-parada-angra-3-da-prejuizo-adicional-de-r-30-milhoes-por-mes-a-eletrobras.shtml.
  3. Petronoticias. INB recebe aporte de R$ 190 milhões que garante o abastecimento de combustível para Angra e Angra 2. Petronoticias. [Online] 04 de janeiro de 2018. https://petronoticias.com.br/archives/107162.
  4. Luna, Denise. Governo faz aporte de R$ 190 mi para garantir abastecimento de usinas de Angra em 2018. Estadão. [Online] 04 de janeiro de 2018. http://economia.estadao.com.br/noticias/geral,governo-faz-aporte-de-r-190-mi-para-garantir-abastecimento-de-usinas-de-angra-em-2018,70002138572 .
  5. Petronotícias. Governo acaba a interinidade e confirma Leonam Guimarães como presidente da Eletronuclear. Petronoticias.[Online] dezembro de 20 de 2017. https://petronoticias.com.br/archives/106678.

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