A Falsa Crise dos Focos de Incêndio na Amazônia
Depois da Crise de Desmatamento que teve origem em uma interpretação equivocada de um indicador mensal, parece que estamos agora assistindo uma falsa crise de focos de incêndio florestal na Amazônia.
Apontamos no “post” anterior que realmente existe uma retomada da área desmatada que, no entanto, não é de agora, começou em 2015. Quase nada a ver com o aumento de quase 100% do alarme de desmatamento em junho.
Já a crise dos focos de incêndio, não há sinal dela até esse 31 de agosto de 2019. Para desmentir essa crise não é necessário recorrer a Angela Merkel e seus satélites europeus. O INPE apresenta em seu site um belo aplicativo sobre queimadas no Brasil e no mundo.
http://queimadas.dgi.inpe.br/queimadas/portal-static/estatisticas_estados/
O site mostra, praticamente em tempo real, dia a dia, o mapa de todos os focos de incêndio, escolhendo o satélite com melhor cobertura para a área. O software usado permite a classificação de cada foco e, com dois dias de atraso, oferece a localização das nuvens. É um mapa interativo que possibilita obter a localização de cada tipo de foco de incêndio.
O INPE faz parte de uma rede que inclui vários satélites que se revezam na medida dos pontos de incêndio cuja localização automática é logicamente fácil.
Apresenta tabela com as estatísticas mês a mês desde 1989. Também é possível comparar a situação do Brasil com a de outros países e regiões. Possibilita ainda traçar a curva sazonal dos incêndios e a de máximos e mínimos. A Figura 1, extraída do site do INPE, mostra a situação para a Amazônia Legal comparando o ano atual com as médias, mínimas e máximas dos anos anteriores.
Figura 1: Focos de Incêndio de 2019 comparado com os valores mensais médios, máximos e mínimos Fonte site INPE
Pode-se observar que os valores até agosto de focos de incêndio estão dentro da normalidade sazonal. Essa comparação é mais fácil nos valores mensais acumulados mostrados na Figura 2.
Figura 2: Focos de incêndio, valores acumulados de 2019 comparados com as médias históricas dos meses
Até 31 de agosto de 2019 o total acumulado era de 63.109 e o médio histórico 56.748, ou seja, o de 2019 está cerca de 11% maior que do ano médio. Isto está dentro da dispersão normal esperada.
A Figura 3 mostra os valores anuais de focos de incêndio detectados para cada ano. Para 2019 indicou-se também o valor esperado para 2019, se o restante do ano for normal. É um valor 5% acima da média.
Figura 3: Focos de incêndio por ano, com valor extrapolado para final de 2019
Ou seja, definitivamente os incêndios florestais de 2019 estão dentro da normalidade. A crise é falsa. Pelo menos, até agora. Isto é que se pode deduzir dos resultados até o final do mês de agosto, devendo-se prestar a atenção no mês de setembro, usualmente o pico anual em focos de incêndio.
Os que desejam criar um alarme, perderam uma bela oportunidade com um fundo de realidade: o mês de março de 2019 apresentou recorde histórico de focos de incêndio para o mês. Os meses seguintes trouxeram o total acumulado no ano para a média dos 20 anos que se dispõe da medida.
Ainda no assunto de comparações pontuais, se o aumento de focos for tomado em relação ao ano passado (2018) pode-se estar cometendo um engano metodológico. O gráfico mostra que 2018 está muito abaixo da média. Por exemplo, se confirmado valor para 2019 (próximo ao médio histórico), o valor deste ano será 73% maior que o do ano passado que, justamente por estar muito abaixo da média, não deve ser tomado como referência.
Sem um critério de análise objetivo, a interpretação das estatísticas passa por subjetivismos, muitas vezes apaixonados. Por essa razão, é necessária uma intermediação técnica, como a frequentemente usada na divulgação de notícias econômico-financeiras, para dar a conhecer as notícias ambientais.
Focos de Incêndio X Desmatamento
O desmatamento pode, eventualmente, resultar de uma tragédia ambiental, causada por incêndios acidentais ou não, facilitada por condições excepcionais para sua propagação. Para estes casos, resta o esforço de debelar os focos perigosos, as vezes sem êxito, conforme acompanhamos na cobertura mundial desses eventos nos países centrais. O desmatamento que mais preocupa é o que resulta da ação deliberada. Esse tipo de ação é a que persiste e se estende nos anos seguintes porque traz retorno econômico para seus autores.
As ações para se contrapor a um tipo ou outro de desmatamento são de diferente natureza, embora ambas se aproveitem dos alertas aos focos de incêndio. A partir de 1998, existem as duas estatísticas, de focos de incêndio e do desmatamento, e a comparação entre elas fornece informações úteis. Na Figura 1 está indicada a evolução dos dois tipos de evento a partir de 1998.
Figura 4: Desmatamento anual e focos de incêndio na Amazônia Legal Fonte: site do INPE; os valores para 2019 são projetados.
A menos do período em torno do pico de desmatamento de 2004, não há uma correlação muito visível entre as duas variáveis. Chama a atenção o ano de 2018 cujo índice de focos de incêndio está 40% abaixo da do ano anterior e da média histórica e que, no entanto, registrou aumento do desmatamento. A maioria das comparações feitas na imprensa é com o ano de 2018, visivelmente um ano atípico que não serve de referência.
A tentativa de estabelecer alguma correlação entre o número de focos de incêndio durante o ano com o desmatamento estimado para o mesmo ano mostra uma correlação muito fraca (R2 pouco menor que 0,2).
Ou seja, nem o índice de focos incêndio de 2019 está fora do normal histórico, nem ele é um indicativo válido para monitorar o desmatamento. O importante na avaliação de desmatamento são os indicadores específicos de desmatamentos divulgados pelo INPE que já acumulou uma bagagem experimental de testes no terreno que outras fontes não têm para o Brasil e cuja seriedade é a melhor defesa do País contra os mal informados e mal intencionados.
Carlos Feu Alvim