Ensaio:
A Dispersão do Covid 19 Depende da Latitude Geográfica?
Carlos Feu Alvim, Olga Mafra e José Israel Vargas
Uma curiosidade encontrada ao longo do estudo que está sendo desenvolvido pela E&E sobre a Covid 19 é que as estatísticas por Região, de óbitos pela Covid 19, seguem a ordem geográfica. A região Norte apresenta a maior taxa de mortalidade por habitante e a Região Sul a menor, as regiões intermediárias seguiam também a ordem geográfica.
Ficou também claro que a grande disparidade do comportamento dos óbitos pela Covid 19 não parece poder ser explicada simplesmente por questões do distanciamento social adotado.
Surgiu o interesse em saber se havia alguma correlação com a latitude e os óbitos pela Covid 19. Para isso, elaboramos o Gráfico da Figura 1. Ele representa os óbitos por milhão de habitantes até 18/06 (dados do Ministério da Saúde) em função da latitude média dos Estados, extraída do Google, também mostrada na Tabela.
Já havíamos assinalado o grande interesse que havia na evolução do Codiv no Brasil, pela abrangência de latitudes de nosso território, para ajudar a melhor compreensão da doença. Aparentemente, o Brasil apresenta a maior amplitude de paralelos do mundo, pelo menos em terras contínuas. É sabido que a propagação de vírus é sensível a condições climáticas e o Brasil propicia a oportunidade estudar a influência, em um mesmo país, com certa homogeneidade política e social e com a doença atuando quase simultaneamente, nessa grande gama de latitudes.
O resultado da verificação da hipótese de que existe uma correlação da taxa de óbitos por habitante com a latitude está na Figura 1. Essa tendência parece existir ,embora se registre um ponto nitidamente fora dela que é o Estado do Rio de Janeiro, destacado na Figura 1.
Figura 1: Óbitos por milhão de habitantes em função da latitude dos estados da Federação
O Ministério da Saúde divulga também o número de pessoas que testaram positivo para a contaminação pelo Novo Coronavírus. A progressão desse dado, ao longo do tempo, tem interpretação problemática porque depende, obviamente, do ritmo de aplicação de testes. Já o número acumulado de infectados é mais confiável e tem significado testar a dependência com a latitude, também com essa variável. Isso é feito na Figura 2 onde está representado o número de infectados por milhão de habitantes em função da latitude média dos estados.
Figura 2: Casos de Covid 19 por milhão de habitantes em função da latitude dos estados da Federação
O ajuste (R2= 0,50) é bom, considerada a natural dispersão dos dados. Alguma explicação deve existir para as marcantes diferenças entre o comportamento da propagação da doença, também refletida em óbitos, nos diversos estados, que não é diretamente a distância da linha do Equador. Possivelmente, esta dependência está relacionada com condições climáticas, embora também não pode ser, a priori, descartada a influência de outras variáveis sociais, econômicas e até raciais que variem com a latitude.
Uma questão interessante é que a correlação com a latitude é melhor que a encontrada com os óbitos, em particular, desaparece o ponto fora da curva do Rio de Janeiro. Na Tabela 1, estão mostradas as variáveis utilizadas para elaborar os gráficos e representada a letalidade que é a relação óbitos por número de infectados.
Tabela 1: Latitude dos Estados e Dados Estaduais sobre a Covid
Estado | Latitude | Óbitos/Mhab | Casos/Mhab | Letalidade |
AC | -8,77 | 325 | 12092 | 2,7% |
AL | -9,71 | 249 | 7681 | 3,2% |
AM | -3,07 | 629 | 14654 | 4,3% |
AP | 1,42 | 404 | 22923 | 1,8% |
BA | -12,96 | 85 | 2795 | 3,0% |
CE | -3,71 | 589 | 9557 | 6,2% |
DF | -15,83 | 126 | 9459 | 1,3% |
ES | -19,19 | 303 | 7881 | 3,8% |
GO | -16,64 | 38 | 1896 | 2,0% |
MA | -2,55 | 227 | 9341 | 2,4% |
MG | -18,1 | 27 | 1177 | 2,3% |
MS | -20,51 | 14 | 1538 | 0,9% |
MT | -12,64 | 81 | 2156 | 3,7% |
PA | -5,53 | 511 | 8907 | 5,7% |
PB | -7,06 | 176 | 7904 | 2,2% |
PE | -8,28 | 425 | 5088 | 8,3% |
PI | -8,28 | 129 | 3696 | 3,5% |
PR | -24,89 | 36 | 1042 | 3,4% |
RJ | -22,84 | 487 | 5057 | 9,6% |
RN | -5,22 | 187 | 4531 | 4,1% |
RO | -11,22 | 210 | 7767 | 2,7% |
RR | 1,89 | 381 | 12251 | 3,1% |
RS | -30,01 | 36 | 1566 | 2,3% |
SC | -27,33 | 31 | 2174 | 1,4% |
SE | -10,9 | 174 | 7543 | 2,3% |
SP | -22,35 | 258 | 4195 | 6,1% |
TO | -10,25 | 97 | 4943 | 2,0% |
Brasil | 227 | 4655 | 4,9% |
A explicação discrepância para o Rio de Janeiro (Figura 1) vem da letalidade observada no Estado (9,6%) que é o dobro da média Brasil (4,9%). Vale lembrar que este coeficiente já é alto para a região Sudeste ( média de 6,3%), sendo que São Paulo, com 6,1%, disputa com o Ceará o 3º lugar na letalidade no País (Figura 3). Já a possível dependência da letalidade com a latitude pode ser descartada.
Figura 3: Letalidade nos estados óbitos/casos
Havíamos constatado que o nível de letalidade da Região Sudeste, a mais rica do País, era surpreendentemente alto, já o do Rio de Janeiro, o maior do Brasil, é automaticamente associado ao caos administrativo que assola o Rio, há mais de uma década.