E&E 109

Economia & Energia             

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Matéria em discussão:

Dúvidas sobre novo ciclo de crescimento do metano na atmosfera

Carlos Feu Alvim e Olga Mafra

Resumo

As emissões dos diferentes gases causadores do efeito estufa são expressas em equivalente a gás carbônico (tonelada de CO2 equivalente). Os diferentes coeficientes utilizados para conversão do metano em CO2 são testemunhos da polêmica que ainda desperta o tema. Para o Brasil, esses coeficientes fazem uma enorme diferença. O assunto já foi tratado em diversos exemplares desta revista a partir de 2006, quando fizemos uma projeção da evolução da concentração de metano na atmosfera que já estaria em um processo de estabilização, tendendo para um valor máximo de 1900 partes por bilhão (ppb) na atmosfera terrestre. Essa tendência histórica contrariava as projeções dos relatórios de assessoramento do IPCC. Neste trabalho, aproveitamos os novos dados disponíveis para verificar a validade dessa expectativa e discutir a hipótese de um novo ciclo de crescimento do teor de metano na atmosfera.

Palavras-Chave

Aquecimento global, metano, IPCC, gases de efeito estufa, modelos de projeção, emissões

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Introdução

O assunto relevância do metano na contenção do efeito estufa já foi tratado em diversos exemplares dessa revista. No primeiro deles, em 2006, fizemos uma projeção da evolução da concentração de metano na atmosfera terrestre que já estaria em um processo de estabilização, tendendo para um valor máximo de 1900 partes por bilhão (ppb).

Neste trabalho, aproveitamos os novos dados disponíveis para fazer o resumo das publicações anteriores, verificar a validade dessa expectativa e discutir a hipótese de um novo ciclo de crescimento da concentração de metano na atmosfera.

A E&E vem tratando desse tema sistematicamente e apontado falhas graves nas projeções adotadas pelo IPCC para o metano. Os principais artigos são:

E&E № 55 de abril-maio de 2006: A Evolução da Concentração de Metano na Atmosfera, Carlos Feu Alvim, Omar Campos Ferreira e José Israel Vargas.

E&E № 65 de dezembro de 2006 a janeiro de 2007: Revisitando a Concentração do Metano na Atmosfera, Carlos Feu Alvim, Omar Campos Ferreira e José Israel Vargas.

E&E № 100 de julho-setembro de 2018: Efeito Estufa: Persistem dúvidas sobre o papel do metano, Carlos Feu Alvim e Olga Mafra.

E&E № 101 de outubro-dezembro de 2018: Efeito Estufa: Uma Moratória para o Metano, Carlos Feu Alvim e Olga Mafra.

Nos três primeiros artigos, foram feitas projeções e/ou comparações de projeções com os resultados de medidas; já o artigo da E&E 101 é de opinião, onde os autores manifestam que não existia justificativa científica para fazer o esforço que o Brasil se propôs, na Conferência de Paris, de reduzir à metade a emissão específica do gás metano nas atividades agropecuárias.

Nos estudos anteriores, chamamos à atenção para o fato de que o aquecimento global é um assunto de longo prazo, no qual o tempo típico de avaliação de impacto é da ordem de um século; nos referimos ainda ao uso inadequado de coeficientes de equivalências do metano com o gás carbônico baseado em seu poder de absorção imediato e não em seu efeito de longo prazo. Isto é particularmente importante quando se trata de compensar a emissão de CO2 com a supressão de emissões de metano.

Discutimos que, sendo as emissões dos diferentes gases expressas em equivalente a gás carbônico (tonelada de CO2 equivalente), os coeficientes usados são muito importantes para avaliar medidas propostas para emissões de metano. A diferença existente nos coeficientes utilizados para conversão do metano (GWP 100 anos = 28 e GTP = 4 e agora GWP 20 anos = 88[1]) é testemunho da polêmica que ainda desperta o tema. Para o Brasil, esses coeficientes fazem uma enorme diferença.

A Falha dos Modelos do IPCC para Projeção da Concentração de Metano

As projeções empíricas, como a nossa, sobre o comportamento do teor de metano devem ser consideradas como a continuação de uma tendência histórica vigente até o último ano do ajuste. Não podemos, de forma alguma, pretender que ela supere os sofisticados modelos destinados a descrever o comportamento do teor de metano no longo prazo. O que fazemos são comparações da tendência histórica e dos resultados observados com os resultados dos modelos adotados pelo IPCC nos seus quatro primeiros Relatórios de Assessoramento do IPCC.

A falha desses modelos é, implicitamente, reconhecida no Quinto Relatório de Avaliação do IPCC (Figura 1 neste trabalho).

Como pode ser visto na Figura 1, os valores reais ficaram sistematicamente abaixo de TODOS os cenários das projeções e isso não se deveu a retração nas emissões de metano.

ProjecoesmetanoeobservadoFigura 1: Teores em partes por bilhão (ppb) de médias globais de concentração de metano (CH4), desde 1950, comparada com projeções de relatórios de avaliação prévios ao Quinto Relatório de Assessoramento do IPCC.

Tradução da Legenda da figura original.6a: Concentrações médias de CH4 observadas globalmente e anualmente em partes por bilhão (ppb) desde 1950, em comparação com as projeções das avaliações anteriores do IPCC. As concentrações anuais globais de CH4 observadas são mostradas em azul escuro. O sombreamento mostra a maior faixa projetada do modelo de concentrações globais anuais de CH4 de 1950 a 2035 do FAR (Figura A.3 do Anexo do IPCC, 1990); SAR (Tabela 2.5 a in Schimel et al., 1966); TAR (Anexo II do IPCC, 2001); e dos cenários A2, A1B e B1 apresentados no AR4 (Figura 10.26 em Meehl et al., 2007). As barras do lado direito do gráfico mostram o intervalo completo fornecido para 2035 para cada relatório de avaliação. São apresentados os anos de publicação dos relatórios de avaliação. Consulte o Apêndice 1.A (do Quinto Relatório de Assessoramento) para obter detalhes sobre os dados e cálculos usados para criar esta figura.

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Nota da E&E:
FAR First Assessment Report – IPCC
SAR Second Assessment Report – IPCC
TAR Third Assessment Report – IPCC
AR4 Fourth Assessment Report – IPCC
AR5 Fifth Assessment Report  – IPCC

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Nova Relevância para o Metano no Efeito Estufa

Segundo a Folha de S. Paulo, “o Brasil assinou o compromisso global sobre o metano, após pressão dos Estados Unidos, que sugeriu privilegiar acordos comerciais com os signatários do compromisso”. O Itamaraty teria se mostrado incomodado em assinar um documento pronto, não tendo sido possível negociar seus termos.

O metano é um componente importante no inventário das emissões de gases de efeito estufa anuais, atribuídas ao Brasil. A maior fonte de nossas emissões no setor agrícola é o gás metano provenientes da digestão do nosso gado, especialmente o bovino. Toda política de redução do metano afeta diretamente nossos interesses de grande produtor de carne.

O Brasil vem assumindo compromissos, na área de emissões, com risco de perda de competitividade internacional. Esse assunto não pode ser tratado com ligeireza como, infelizmente, costuma ser tratado pelo Brasil e até no nível internacional. Esse parece ser o caso do citado compromisso de reduzir as emissões de metano; embora, a rigor, como justificou o Itamaraty na ocasião da adesão do Brasil, ele já constasse dos compromissos brasileiros voluntários assumidos anteriormente.

Da última publicação para esta, temos mais três anos de medidas de teor de metano na atmosfera que voltou a crescer. Trataremos aqui de discutir se isto representa uma retomada da tendência anteriormente prevista ou se trata de um outro ciclo de crescimento.

Para isso, vamos fazer, rapidamente, uma “história em quadrinhos” dos resultados e projeções nos três primeiros artigos[2].

A Figura 2 (E&E Nº 53), mostra a evolução da concentração de metano na atmosfera (medida em partes por bilhão em volume). São dados que cobrem mil anos. As amostras foram recolhidas em geleiras tanto da Groenlândia como da Antártica e diretamente da atmosfera o na estação do Cabo Grim (Tasmânia) e Antártica.

Os resultados experimentais (Figura 2) mostram que, após oito séculos de estabilidade, os teores de metano começaram a crescer por volta do ano 1800. Esse crescimento coincide com o período da revolução industrial. Esta é, aliás, uma das mais fortes evidências da influência da atividade humana na composição da atmosfera.

Figura sobre teor de metano por quase um século

Figura 2: Teor de metano na atmosfera a partir do ar contido em amostras de geleiras, Antártica e da Groenlândia, e de amostras ambientais, na Antártica e Tasmânia (E&E 55)

Os dados das geleiras resultam da retirada de amostras de cilindros ou núcleos de gelo (em inglês ice core[3]), acumulados ao longo dos séculos pela neve ali depositada. São como “cápsulas do tempo” que a própria natureza guardou. O ar contido no gelo é tão mais antigo quanto mais profundo seja colhida a amostra.

O comportamento dos dados da Antártica e Groelândia são semelhantes, ao longo do tempo, e isso permitiu que concentrássemos nossa análise em dados colhidos apenas no Polo Sul.

Os valores representados na Figura 3 foram obtidos de um mesmo lugar (Antártica) e tratados por uma mesma metodologia (ar capturado em geleira, datado por composição isotópica). Por essas razões, eles são muito adequados para que se conheça o comportamento do teor de metano por um período muito longo (quase um milênio).

A Figura 3 reúne os resultados do teor de metano em função do tempo (em azul) e sua variação por unidade de tempo (em magenta). A escala da esquerda corresponde ao valor cumulativo (teor em ppb) e escala da direita o valor diferencial, ou seja, a variação do teor por unidade de tempo (em ppb/ano).

Figura de evolução do teor de metano e sua variação anual na atmosfera

Figura 3: Teor de metano e acréscimo anual na atmosfera, no período 1900 a 1996, em ppb e ppb/ano (E&E 55)

A Figura 4 mostra o ajuste realizado, para o período 1940 a 1996, utilizando a curva logística (E&E № 53). A figura utiliza uma escala que torna a função uma reta[4] o que facilita o ajuste.

ajuste para teor de metano

Figura 4: Ajuste da Curva Fisher-Pry aos valores da concentração de metano na atmosfera para determinação de coeficientes que definem a evolução do teor de metano ao longo dos anos.

A curva apresenta o ponto de inflexão no ano de 1975 (to) e t é o tempo, medido em anos; Δt = 69 anos que corresponde ao intervalo entre 10% e 90% do teor máximo esperado.

A Figura 5 mostra, em escala linear, o ajuste realizado com dados da figura anterior. O valor Ymax que corresponderia ao “nicho”, nível de equilíbrio esperado para o teor de metano. Ymax foi estimado em 936 ppb que, somados ao valor inicial de 954 ppb (média teores de 1900 a 1940), projetam um valor máximo de 1890 ppb, ao longo do tempo.

Fogira 05, projeção do teor do metano

Figura 5: Dados do ajuste mostrado na figura anterior projetando um valor máximo 1900 ppb de CH4 na atmosfera (E&E 53).

O TAR/IPCC[5] apresentou os valores projetados para o teor médio de metano na atmosfera em diversos cenários, alguns associados à redução da emissão de metano por aplicação de políticas específicas. As projeções do IPCC são comparadas, juntamente com a projeção E&E 53, com o efetivamente ocorrido na Figura 6.

Escala ampliada, mostrando o período 1985-2010

figura 6a teor de metano

Figura 6: Comparação de projeções do TAR e da E&E com o comportamento do teor de metano verificado (E&E 65)

Pode-se perceber que o ponto de partida do TAR é o ano de 2000. Já o do nosso ajuste até 1996 não toma o ponto já medido como ponto obrigatório de partida.

O detalhe importante, mostrado na parte inferior da Figura 6, é que a totalidade das cenários considerados previa um grande aumento do teor de metano nos primeiros anos, o que não se verificou. Também mostra que o crescimento do teor de metano na atmosfera havia praticamente “zerado” apesar da pouca efetividade do controle da emissão de metano no período.

A Figura 7, do Quarto Relatório do Grupo 1 do IPCC, mostra os dados do teor de metano e sua variação anual, entre 1984 e 2006. Na ocasião do lançamento do TAR, em 2001, os dados eram disponíveis até 2000. A curva superior do gráfico já indica uma tendência de saturação no crescimento do teor que foi confirmada nos anos seguintes. Coerentemente com isso, observa-se uma tendência de queda na variação anual. No entanto, no momento de elaboração do relatório, o súbito crescimento de 1998 deve ter exercido forte influência sobre os modeladores[6].

Na época da publicação da E&E 65 (segundo artigo), já estava disponível o Quarto Relatório de Assessoramento do IPCC e o gráfico (Figura 7 neste relatório) já constava no artigo. Na E&E 65, também destacamos, manifestações do grupo técnico no Quarto Relatório que mostravam sua perplexidade sobre o que teria provocado a estagnação do teor de metano atmosférico a partir do ano 2000.

Fotura7: teores de metano e sua variação

Figura 7:  Crescimento da concentração de metano na atmosfera e valores anuais de concentração para duas séries de medidas. (Fonte IPCC Quarto Relatório de Assessoramento).

Não sabemos se os resultados das medidas nos glaciários foram levados em conta na calibração dos modelos utilizados. Provavelmente não, porque eles já mostravam uma queda, desde 1975, na taxa de crescimento do teor de metano, como mostra a Figura 6. Simplesmente, nada indicava, na observação empírica anterior, as hipóteses de crescimento projetadas pelo modelo adotado pelo IPCC[7]. No TAR não há indicação sobre a verificação dessa necessária aderência do modelo aos dados do passado.

Quanto a projeção E&E, embora apontasse para uma estabilização do teor, ao longo do tempo, ela estaria acontecendo muito antes do esperado, já a modelagem adotada no TAR ignorava a tendência já existente.

Por ocasião de nossa revisão anterior, feita em 2018 (E&E № 100), a concentração já havia retomado o crescimento. Persistia, não obstante, a dúvida se estávamos diante de uma retomada no crescimento ou, simplesmente, em uma oscilação como as que já aconteceram no passado. Se for uma oscilação, a tendência de estabilidade do teor de metano no longo prazo estaria preservada.

Na revisão feita na E&E 100, acrescentamos novos valores e os comparamos com a projeção já mostrada em números anteriores, baseada nos resultados até 1996. A Figura 8, é análoga à publicada na E&E 100, apenas acrescentando os valores dos três últimos anos, agora disponíveis e mudando a normalização entre os dois conjuntos de medidas.

Neste trabalho, foi acrescentado aos valores obtidos na geleira da Antártica um valor constante de 67 ppb, para evitar a descontinuidade entre os dois conjuntos de dados utilizados[8]. O valor máximo esperado para o teor passou a ser de 1890+67= 1957 ppb. O comportamento do teor de metano no ar e de sua variação anual são mostrados na Figura 8.

Teor de metano e sua variação até 2020

Figura 8: Valores do teor de metano e de seu acréscimo anual, atualizado até o ano 2020, a partir da E&E 100, complementados com três anos adicionais (valores atmosféricos em verde)

A Figura 8 reúne o conjunto de dados relativos ao teor do metano na atmosfera em amostras ambientais na troposfera. ao nível do mar, sobre o oceano, sendo as amostras coletas nas geleiras correspondentes ao ar capturado próximo do nível do solo[9].

Os dois tipos de medida, ar retido nas geleiras da Antártica e média de amostras ambientais, mostrados na Figura 8, têm a vantagem de evitar a influência de fenômenos locais. Com efeito, as variações locais são importantes, como têm mostrado o conjunto de dados de concentração de metano coletados em diferentes regiões nos últimos anos. A adoção da média mundial das medidas sobre os oceanos dilui as variações localizadas. Para as amostras coletadas no Polo Sul, é a distância que permite essa homogeneização. Com efeito, esta região está muito longe de aglomerações humanas e de unidades de produção industriais ou agrícolas; são amostras coletadas “no fim do mundo”, como os próprios vizinhos, chilenos e argentinos costumam chamar as terras próximas do Polo Sul.

O que Esperar do Futuro

A Figura 8 admite dois tipos de interpretação. Quando olhamos os dados globais do teor de metano (curva superior) somos levados a crer que existe uma tendência de estabilização e, o ocorrido entre 1990 e 2010, foi uma oscilação negativa na tendência mostrada pela curva na cor preta.

O que está ocorrendo em 2010 a 2020 seria uma oscilação positiva, da mesma natureza da oscilação negativa ocorrida no período anterior, e estaríamos recuperando a tendência de longo prazo que apresentamos na E&E № 53 segundo a qual o teor estaria se estabilizando. Note-se que o valor limite projetado pelos resultados anteriores (1960 ppb) ainda não foi atingido.

Para que fique claro, estamos, aparentemente, na presença de dois desvios no comportamento do teor de metano, de 1990 a 2010, abaixo do esperado e de 2010 a 2020, acima do esperado.

Já quando olhamos a curva diferencial (de baixo) na Figura 8, ficamos com a impressão de que estamos diante de uma “segunda onda” de crescimento do teor de metano na atmosfera.

Qual seria o procedimento científico para resolver este dilema? Na nossa opinião, formular um modelo que explique tanto o comportamento passado como o futuro. Não parece aceitável que continuemos (como aparentemente fizeram os relatórios do IPCC do primeiro ao quarto) projetando o futuro com base em modelos que não conseguem explicar o passado.

Deve-se reconhecer, no entanto, que, pelo menos a partir do quinto relatório (AR5) o IPCC tem explicitado a discussão, como prova a Figura 1. No texto do sexto relatório do IPCC (AR6), o assunto volta ao debate e é mostrada a Figura 9 que busca explicar o ocorrido com base na variação da parte da geração de metano não devida às atividades de responsabilidade humana e dos “sumidouros” (absorção do metano, em grande parte devida a fenômenos naturais).

Balanço de metano na atmosfera por períodosra

Figura 9: Figura do Sexto Relatório do IPCC que busca explicar com base no comportamento das fontes e sumidouros naturais e da emissão antropogênica as variações do teor de metano.

A Figura 9 nos permite chamar a atenção para as margens de erro na apuração das fontes (emissões) e sumidouros. Podemos constatar que as margens de erro em cada medida superam sempre o valor da “emissão líquida” em cada período[10]. A figura nos mostra também a evolução do teor de metano na atmosfera e podemos notar que, a apuração do teor médio de metano é bastante regular. Mesmo oscilações visíveis na curva, são de natureza sazonal[11], presumivelmente devidas a capturas sazonais de metano[12].

Um aspecto a ser considerado do ponto de vista global do efeito estufa é que o aumento do valor integrado (teor de metano) não parece ser alarmante. De 1990 (época da Conferência do Rio) até hoje (2021) o teor de metano cresceu 189 ppb, ou seja, 11% em 30 anos[13].

Como a contribuição do metano, no efeito estufa antropogênico, representa 15% da contribuição total, estamos falando de um acréscimo de 1,6% no estoque atmosférico de gases de efeito estufa induzido pela atividade humana em 30 anos.

Na Figura 10, completamos a comparação dos dados reais com as projeções do TAR e do ajuste E&E dos dados até 1996.

Comparação do teor de metano previsto até 2020 e valores reais

Figura 10: Os valores reais do teor de metano são inferiores às projeções mais otimistas do IPCC no Terceiro Relatório

Em resumo, existem ainda dúvidas substanciais sobre o que deverá acontecer nos próximos anos com o teor de metano na atmosfera se nenhuma providência for tomada. Evidentemente houve uma falha nos modelos utilizados anteriormente que deveriam, minimamente, ser capazes de explicar o passado.

O episódio deveria ter levantado a questão sobre a legitimidade de tomar medidas, envolvendo gastos de bilhões de dólares, em países como o Brasil de imensos problemas sociais, com a redução de emissões de metano. É particularmente temerária a política de compensar emissões de CO2, de longo prazo, por contenção das emissões de metano de curto prazo.

Foram essas dúvidas que motivaram o artigo da E&E № 101 em que os autores propuseram uma moratória nas medidas que envolvem grandes custos baseadas em simulações cuja capacidade de descrever o passado e o futuro desperte grandes dúvidas. O recém-publicado Sexto Relatório de Assessoramento do Grupo 1 do IPCC, do qual tratamos no próximo artigo, lança algumas luzes sobre o assunto, como adiantado na Figura 9.

Também discutiremos a proposta patrocinada pelo Governo Americano, com adesão da União Europeia, que propõe prioridade para o metano, justamente o contrário do que defendemos na E&E 101 que seria a moratória de países em desenvolvimento para o metano.

Ainda no escopo do presente trabalho colocamos, no Anexo, uma comparação entre o crescimento do metano e o do CO2 que, por si só, já reforça a dúvida sobre a prioridade ao metano.

Anexo: Comparação da evolução dos teores de CH4 e CO2 no mundo

As discussed in Dlugokencky et al. (2009), trends in CH4 showed a stabilization from 1999 to 2006, but CH4 concentrations have been increasing again starting in 2007. Because at the time the scenarios were developed (e.g., the SRES scenarios were developed in 2000), it was thought that past trends would continue, the scenarios used and the resulting model projections assumed in FAR through AR4 all show larger increases than those observed.

Conforme discutido em Dlugokencky et al. (2009), a tendência das concentrações de CH4 foi de estabilização entre 1999 e 2006, mas elas voltaram a aumentar a partir de 2007. Como na época em que os cenários foram desenvolvidos (por exemplo, os cenários SRES foram desenvolvidos em 2000), pensava-se que as tendências passadas continuariam, os cenários usados e as projeções do modelo resultantes assumidas em FAR até AR4 mostram aumentos maiores do que os observados.

A Figura A1 mostra a evolução do teor metano – CH4 na atmosfera comparado com o do dióxido de carbono – CO2 e suas projeções em quatro dos Relatórios de Assessoramento do IPCC. Atenção para a diferença de escala já que o CH4 é medido em parte por bilhão (ppb) e o CO2 em parte por milhão (ppm), ambos em volume. Ou seja, em uma mesma unidade estamos falando, para o ano de 2010 em 1,8 ppm de CH4 (45 ppm de CO2 equivalente) e 400 ppm de CO2.

Enquanto o crescimento real se coloca, como se espera, no centro das projeções para CO2, as projeções para o CH4 estão totalmente fora do realmente ocorrido.

Coparação teor de metano real com projeções do IPCC

Evolução observada do teor de CO2 comparada com projeções

Figura A1: Figuras do Quinto Relatórios de Assessoramento AR5 do IPCC para valores observados (em azul escuro) e as projeções de concentração de CH4 e CO2

No capítulo 1 do relatório AR5 (Quinto Relatório de Assessoramento do IPCC) os resultados são comentados.

Como mostramos no nosso texto e a própria Figura A1 deixa claro, a inclinação da curva das concentrações de metano já mostrava uma tendência de queda nos anos anteriores ao Primeiro Relatório (FAR). No Terceiro Relatório (TAR) a tendência histórica já indicava a estabilização. Foi necessário, no entanto chegar ao Quinto Relatório de assessoramento (AR5) para, explicitamente, reconhecer a falha nas projeções. Na Figura A1, a análise visual da inclinação da curva das “observações” parece indicar um valor maior um pouco antes ou um pouco depois de 1980.

Já a curva de gás carbônico tem um comportamento bastante diferente que sugere que a variação anual talvez ainda não tenha passado por um máximo (que seria assinalado por um ponto de maior inclinação ao longo da curva, seguido de sua redução nos anos seguintes).

Fundamentalmente, os modelos utilizados supuseram que a capacidade de absorção do CH4 se esgotaria pela exaustão da capacidade de absorção (ligada ao radical OH) que a própria maior presença do metano provocaria. Deve-se considerar que, também no caso do CO2, a saturação dos mecanismos de absorção desse gás é considerada nos modelos o que multiplica seu efeito. O fracasso de projeção no caso do metano deveria inspirar prudência sobre algumas das projeções adotadas para o gás carbônico que supõem uma retroalimentação que agrava os efeitos deste gás.

Para que não fiquem dúvidas, este ensaio não está colocando em discussão a importância do assunto aquecimento global, já que a evolução da concentração de CO2, também mostrada na Figura A1, não dá sinal de esgotamento do processo de acumulação de CO2 na atmosfera. Ao contrário, ele vem crescendo aproximadamente no mesmo ritmo histórico como demonstra o gráfico da parte inferior da Figura A1. O que, implicitamente, estamos contestando é a prioridade dada ao metano.

[1] United Nations Environment Programme and Climate and Clean Air Coalition (2021). Global Methane Assessment: Benefits and Costs of Mitigating Methane Emissions. Nairobi: United Nations Environment Programme. Documento que serviu de base para proposição do Presidente Biden dos EUA, relativa á redução do uso do metano.

[2]Maiores esclarecimentos sobre nossos estudos podem ser obtidos nos vínculos incluídos na lista das quatro publicações na E&E.

[3] “Ice cores are cylinders of ice drilled from ice sheets and glaciers. They are essentially frozen time capsules that allow scientists to reconstruct climate far into the past”. https://icecores.org/about-ice-cores

[4] Y(t) = Ymax/[1 + Exp(-a(t-to))]

onde Y(t) é uma função do tempo t, medido em anos, sendo a e to constantes.  Ymax é o valor máximo da função denominada logística. Fazendo-se f = Y/Ymax, tem-se Ln (f/(1-f)) = a (t – to) que permite o ajuste de uma reta aos dados de Ln(f/(1-f) em função do tempo.

[5] Third Assessment Report (TAR) to the Intergovernamental Panel of Climate Change (IPCC)

[6] Quem acompanhou os documentos preliminares do relatório, pode notar que as projeções de crescimento foram elaboradas anteriormente, sob o impacto da forte variação por volta de 1998, mostrada no gráfico. Para o relatório, as projeções simplesmente mudaram o “ponto de partida” das curvas.

[7] Ver no anexo discussão sobre a argumentação do AR5 sobre manutenção da tendência observada.

[8] Na E&E 100 a “renormalização” foi feita subtraindo 67 ppb dos dados atmosféricos; esse valor corresponde à diferença entre a média dos resultados para os anos 1994 a 1995.

[9] Portanto, amostras coletadas na troposfera, a menos 10 km de altitude.

[10] Na linguem das pesquisas eleitorais, em todos os casos, haveria “empate técnico” entre fontes e sumidouros.

[11] Picos e vales correspondem aos mesmos meses do ano.

[12] As medidas de teor de metano sofreram grande incremento nos últimos anos com a instalação de uma rede de satélites capazes de medir a evolução dos teores, mostrados ao longo do tempo em um mapa “colorido” com os teores eles oferecem figuras muito interessante sobre seu comportamento.

[13] Variação do teor entre 1990 e 2020 sobre o teor de 1990, isto é (1884-1695)/1695 = 11%.